Indicado a 6 Oscars em 2023, filme com Cate Blanchett acaba de chegar ao Prime Video e vale cada segundo do seu tempo Divulgação / Amazon Prime Video

Indicado a 6 Oscars em 2023, filme com Cate Blanchett acaba de chegar ao Prime Video e vale cada segundo do seu tempo

Como sua protagonista, “Tár” exige tudo do espectador. Ao longo de 160 minutos, a minuciosa composição de uma mulher bem-sucedida, rica, sofisticada e poderosa elaborada por Todd Field desperta em quem assiste emoções contraditórias, sobretudo em tempos de um reducionismo orgulhoso, que não consegue ir além de modelos de pensamento que têm a pretensão de abranger o universo inteiro, entendido como universo a área de atuação de certa minoria ruidosa. A fina artesania do texto de Field valeu-lhe a indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original, embora seja difícil de acreditar que nada daquilo aconteceu, que tudo saiu de sua cabeça assombrosamente criativa e sagaz — o longa foi lembrado também para as categorias Melhor Filme, Direção, Fotografia, Edição e, claro, Atriz —, e aí está a tal magia do cinema materializando-se diante de nossos olhos, fenômeno cada vez mais raro e que, quando calha de ocorrer, não pode ser desprezado.

Lydia Tár parece estar sempre um palmo acima do chão em que pisam os simples mortais. A maestrina (que ela não me ouça) interpretada com natural virulência por Cate Blanchett é uma das maiores conhecedoras de música erudita do mundo, com destaque para Gustav Mahler (1860-1911), uma espécie de guru atemporal, com quem é capaz de estabelecer comunicação direta, sem intermediários.

No prólogo, Tár concede uma detalhada entrevista a Adam Gopnik, redator da “The New Yorker”, na qual discorre com convicção absoluta e encantatória leveza a respeito de Beethoven e as obscuras manifestações artísticas de comunidades primitivas da Amazônia, mas também encontra espaço para enaltecer o pioneirismo valente de Antonia Louisa Brico (1902-1989) e reviver a amizade com Leonard Bernstein (1918-1990), que, ao contrário dela, jamais conseguiu tornar-se um EGOT, o acrônimo para as personalidades que foram laureadas pelo Emmy, Grammy, Oscar e Tony.

Antes de voltar para Berlim, onde está baseada, ela vai à Juilliard, onde ministra um seminário avançado de regência e ouve de Max, o aluno negro e gay de Zethphan D. Smith-Gneist que ele “não pode” gostar de Bach porque o autor de “Jesus, Alegria dos Homens” (1723) negligenciou alguns dos vinte filhos. O diretor-roteirista deixa essa passagem em banho-maria por quase duas horas, mas quando a retoma o faz de modo irretocável. Lydia Tár selara ali seu destino.

“Tár” é um filme de mulheres. A maestrina, lésbica assumida, está sempre rodeada pelo belo sexo, a começar por Francesca, a assistente encarnada por Noémie Merlant, cujas respostas aos e-mails de uma certa Krista Taylor levam a outra subtrama que corre em paralelo, sem prejuízo do que importa. Este é decerto um dos melhores trabalhos de Blanchett, acintosamente preterido pela Academia, o que dá uma medida dos dias estranhos que têm nos acompanhado. Mas Lydia Tár teve sorte muito pior.

Filme: Tár
Diretor: Todd Field
Ano: 2022
Gênero: Drama
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.