Pode ir longe, muito longe a ambição de uma mulher por dar ao mundo um filho de seu próprio ventre. Aurora Rodríguez Carballeira (1879-1955) estava disposta a tudo para realizar o sonho da maternidade perfeita, boa parte do que registra Paula Ortiz em “A Virgem Vermelha”, um esforço quanto a resgatar uma história que desapareceu do inconsciente coletivo de seu país depois da eclosão da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Hildegart Rodríguez Carballeira (1914-1933), uma militante do Partido Socialista criada com mãos de ferro pela mãe, parecia ter nascido para provar que mulheres podiam fazer tudo que faziam os homens, e melhor. Aos três anos, Hildegart já estava alfabetizada, aos dezessete, tornou-se a advogada mais jovem da história da Espanha e, menos de dois anos mais tarde, encerrou a vida como autora de dezesseis livros e mais de 150 artigos. Em “Sexo e Amor” (1931), o mais famoso deles, ela discorre sobre as possibilidades de se chegar à tão sonhada revolução por meio do mais humano dos sentimentos, manifesto, por que não?, na cama. Este foi o começo de uma guerra dantesca, liderada por uma rival tão feroz quanto pérfida.
O roteiro de Clara Roquet e Eduard Sola propõe um retrospecto da vida e carreira de Hildegart, até o tempo em que era apenas o tresloucado plano de Aurora de refinar a humanidade por meio de indivíduos cujos temperamento, gostos, preferências e atitudes seriam determinados desde a concepção. Ortiz destaca esse aspecto do texto de Roquet e Sola nas passagens em que a futura mãe da salvadora profana do Ocidente procura por um homem que jamais reivindicará a paternidade da criança, para que seja ela a única a autorizada a palpitar em sua educação. Aurora mira um padre já propenso à concupiscência, e Hildegart, o “Jardim das Batalhas”, nasce dali a nove meses.
Outras sequências batem na tecla da eugenia sistemática de Aurora, como o controle obsessivo pela alimentação, exercícios físicos e longas horas de estudo diário, mas é no segundo ato, quando Hildegart desabrocha numa moça irrequieta e, o principal, ávida por pensar pela própria cabeça, que o enredo ganha substância. Najwa Nimri e Alba Planas encarnam cada qual uma face de “A Virgem Vermelha”, unindo as pontas do filme já na iminência do desfecho, quando a morte bárbara de Hildegart justifica o título. A onda revisionista que varreu a Espanha na esteira da Guerra Civil apagou muito do vulto de Hildegart Rodríguez Carballeira, um cadáver que procria alimentado pela loucura intolerante e patológica de certas doutrinas.
★★★★★★★★★★