A relação entre ciência e religião nunca foi harmoniosa; é como se o progresso científico só fosse bem-vindo enquanto restrito a suas próprias esferas. Durante a pandemia de covid-19, o mundo testemunhou como a tirania das opiniões pode servir de desculpa para o obscurantismo. Essa tensão entre inovação e resistência não é novidade, e o filme “Joy” explora um dos exemplos mais emblemáticos dessa dicotomia. Sob a direção minuciosa de Ben Taylor e com roteiro de Emma Gordon, Rachel Mason e Jack Thorne, o longa revisita a desafiadora jornada da fertilização in vitro, uma inovação que exigiu dedicação extrema de três personagens complexos e determinados.
Ambientado nos anos 1960, o filme revela uma sociedade em que aqueles incapazes de ter filhos naturalmente tinham apenas duas opções: adoção ou resignação. Neste cenário, o embriologista Richard Geoffrey Edwards, interpretado com precisão por James Norton, lidera uma pesquisa em Cambridge com potencial para revolucionar a reprodução humana. Contudo, ele precisa de ajuda para levar sua visão adiante. Edwards, superando o orgulho, busca o auxílio de Patrick Steptoe, vivido por Bill Nighy, um obstetra renomado que também sonhava em viabilizar a fertilização fora do útero. Ambos enfrentam desafios semelhantes: ceticismo da comunidade científica e obstáculos financeiros e morais.
A narrativa de Taylor se desenrola com ritmo contido até que surge Jean Marian Purdy, interpretada com força por Thomasin McKenzie. Purdy, uma enfermeira especializada em embriologia, emerge como a peça-chave da equipe, embora pague um preço pessoal elevado pela ousadia científica. Hostilizada pela igreja que frequentava e rejeitada pela própria mãe, Purdy representa o sacrifício silencioso que acompanha os grandes avanços.
À medida que o enredo avança, Taylor aprofunda-se na emoção humana por trás da ciência. Isso se intensifica no embate televisivo entre Edwards e o laureado James Watson, um momento em que as dúvidas dão lugar à convicção. Esse clímax precede a histórica data de 25 de julho de 1978, quando Louise Joy Brown veio ao mundo, a primeira criança concebida por fertilização in vitro. Nascia assim não apenas um bebê, mas uma nova era: desde então, milhões de vidas foram possíveis graças à audácia da ciência e à perseverança desses pioneiros.
“Joy” é mais do que uma reconstituição histórica; é um testemunho da luta contra o preconceito e a resistência institucional. Um relato que não apenas informa, mas comove e faz refletir sobre os limites do progresso e o preço da inovação.
★★★★★★★★★★