David Mackenzie oferece em “Legítimo Rei” um drama histórico onde o rigor visual e a profundidade emocional convergem. A fotografia grandiosa, capturada em takes aéreos meticulosos, expõe paisagens escocesas tão belas quanto implacáveis. O figurino detalhado, que resgata fielmente vestimentas de setecentos anos atrás, e a coreografia precisa das batalhas evocam uma autenticidade rara. Essa dedicação transforma um tema à primeira vista remoto — a luta de Roberto I pela independência da Escócia — em uma narrativa pulsante, repleta de dilemas universais como ambição, justiça social e o peso das escolhas políticas.
Chris Pine encarna Roberto I com uma intensidade magnética, personificando o líder que oscila entre ser um governante protetor e um estrategista implacável. Sua atuação capta as contradições de um homem disposto a sacrificar tudo por sua nação, sem perder o olhar humano. A Escócia de Mackenzie é um terreno volátil, marcado por traições, alianças efêmeras e um ressentimento social que ferve sob a superfície. Ao longo dessa jornada, “Legítimo Rei” retrata a metamorfose de um povo dividido em uma força unificada pela insurgência.
Na trama, Roberto I e Edward I, interpretado por Billy Howle, duelam não apenas com espadas, mas também em estratégias e ambiguidades morais. Ambos os personagens transitam entre heróis e vilões, desafiando o espectador a questionar conceitos de virtude e vilania. Mackenzie, com um roteiro coescrito por outros quatro colaboradores, confere a esses embates uma dinâmica realista, onde a linha entre certo e errado é frequentemente nebulosa.
As cenas de combate são visceralmente coreografadas, equilibrando brutalidade com técnica. Contudo, o real conflito de “Legítimo Rei” está no jogo de poder que se desenrola fora dos campos de batalha. A luta de Roberto I não é apenas por território, mas por identidade e soberania — temas que ecoam através dos séculos. A narrativa desenha paralelos sóbrios entre monarquias medievais e regimes autoritários contemporâneos, revelando o custo humano da liderança.
Florence Pugh, no papel de Elizabeth de Burgh, entrega uma interpretação comovente, capturando a resiliência de uma mulher cujas esperanças são esmagadas pela guerra. Mesmo com pouco tempo em tela, sua presença potencializa o drama e acentua os sacrifícios pessoais impostos pelo poder. A agonia de Roberto I é amplificada pela captura de sua esposa, tornando sua missão não apenas uma questão de Estado, mas também uma busca desesperada pela redenção familiar.
Ao fim, Mackenzie conduz a narrativa a uma reflexão amarga sobre o ciclo interminável de conquistas e derrotas. Mesmo com a vitória de Roberto I, a Escócia mergulha em uma instabilidade que transcende gerações. A simbólica ascensão de Jaime VI ao trono inglês, três séculos depois, é uma ironia do destino que reforça a natureza cíclica do poder.
Giuseppe Tomasi di Lampedusa certa vez escreveu que “certas coisas mudam para que tudo permaneça igual”. Em “Legítimo Rei”, essa máxima ressoa com força, ilustrando como as dinastias, por mais que se transformem, perpetuam os mesmos dilemas e desigualdades. Mackenzie nos oferece, portanto, mais que um filme histórico: é um lembrete contundente de que os conflitos de ontem ainda moldam o presente.
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