Poucos filmes contemporâneos provocam debates tão intensos quanto “Oppenheimer”, a audaciosa obra de Christopher Nolan sobre o físico que mudou o curso da história ao liderar a criação da arma mais destrutiva já concebida. Embora o longa-metragem carregue aspectos previsíveis em sua narrativa e um ritmo que pode testar a paciência do espectador, é inegável que Nolan entrega uma peça cinematográfica rica em densidade e poesia. A trama aborda os principais momentos da vida de Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), cientista de relevância incomparável no século 20, talvez superado apenas por Albert Einstein.
A estrutura do filme se assemelha a uma elaboração teórica: detalhada, meticulosa e nem sempre acessível. Nolan, inspirado na biografia “Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano”, de Kai Bird e Martin Jay Sherwin, equilibra-se entre a exatidão histórica e a interpretação artística, criando um retrato de um homem multifacetado. O resultado é uma experiência narrativa que transita entre o esplêndido e o exasperante. Ainda assim, o que se destaca em “Oppenheimer” não são apenas os fatos que moldaram a Segunda Guerra Mundial, mas as complexas relações humanas que pontuam a vida do cientista.
Cillian Murphy encarna o papel-título com uma intensidade que captura a ambivalência de Oppenheimer. Sua presença em cena, amplificada pelos closes de Hoyte van Hoytema, comunica tanto o brilhantismo quanto a vulnerabilidade do físico. Esses enquadramentos, aliás, são fundamentais para destacar a narrativa visual do filme, especialmente nas cenas em preto e branco que demarcam os momentos de julgamento moral e declínio pessoal do cientista. Essa escolha cromática também separa a fase de glória — quando liderava o Projeto Manhattan — de seu enfrentamento com a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, comandada pelo almirante Lewis Strauss, papel desempenhado com maestria por Robert Downey Jr.
A dinâmica entre Murphy e Downey Jr. é o eixo emocional e narrativo do longa. Strauss, inicialmente um admirador de Oppenheimer, transforma-se em seu mais implacável detrator, em um arco que explora as intrigas políticas e pessoais da época. A interpretação contida de Downey Jr. encontra seu clímax em momentos que revelam o ressentimento e a inveja que motivam suas ações. Esse confronto não apenas enriquece o filme, mas também justifica o reconhecimento recebido pelos dois atores na temporada de prêmios.
Nolan constrói sua narrativa ao redor de dois marcos históricos: 1º de setembro de 1939, data da invasão da Polônia pela Alemanha e da primeira fissão nuclear, e 21 de dezembro de 1953, quando Oppenheimer enfrenta a humilhação pública em um processo que o marcará para sempre. Esses eventos são conectados por flashbacks que detalham tanto o processo científico quanto as complexidades políticas e pessoais que cercavam o protagonista.
“Oppenheimer” também não se esquiva de mostrar as contradições do homem por trás do gênio. Nascido em uma família de origem judaica, Oppenheimer cresceu com um senso de deslocamento que o acompanhou até o fim da vida. Nolan explora esse aspecto com uma abordagem que equilibra empatia e crítica, revelando como o cientista navegava entre suas ambições pessoais e os dilemas éticos que sua criação suscitava. A decisão de dividir o fogo do conhecimento com o mundo, uma ação que ecoa o mito de Prometeu, é apresentada como uma escolha ao mesmo tempo heroica e terrivelmente onerosa.
No entanto, é impossível ignorar que “Oppenheimer”, com suas quase três horas de duração, pode parecer excessivo em certos momentos. A densidade de informações, especialmente para quem não está familiarizado com os detalhes históricos ou científicos, pode ser um desafio. Mesmo assim, a riqueza visual e o peso emocional compensam essas falhas, garantindo uma experiência cinematográfica poderosa.
Ao final, o legado de Julius Robert Oppenheimer é retratado com uma complexidade que faz jus à sua figura histórica. Ele morreu em 18 de fevereiro de 1967, aos 62 anos, vitimado por um câncer de laringe. Contudo, sua morte é apenas um pálido epílogo para uma vida marcada por contribuições científicas inestimáveis e por uma queda moral que reflete as tensões de seu tempo. O filme de Nolan, com todos os seus excessos e brilhos, oferece um retrato pungente de um homem que ousou desvendar os segredos do átomo, pagando um preço que ultrapassou a compreensão de sua época.
★★★★★★★★★★