Com paisagens alaranjadas cortando montanhas áridas, explosões dramáticas e nuvens densas de poeira, o thriller de ação “O Salário do Medo” (2024), dirigido por Julien Leclercq, tenta recriar a atmosfera de tensão extrema que definiu o clássico de Henri-Georges Clouzot. Este remake francês, o terceiro após as versões de 1953 e 1977, enfrenta o desafio quase insuperável de suceder uma obra que transcendeu o cinema para se tornar lenda. A reação morna da crítica talvez fosse previsível, considerando que muitas vezes a reverência ao original torna difícil aceitar reinterpretações ousadas. Ainda assim, Leclercq demonstra coragem ao assumir uma empreitada de tamanha magnitude.
O filme original, baseado no romance de Georges Arnaud, retrata um grupo de homens em situação desesperadora, encarregados de transportar 200 quilos de nitroglicerina por estradas precárias da América do Sul. Clouzot conseguiu transformar o enredo em uma experiência cinematográfica visceral, onde cada ponte instável e cada curva estreita amplificavam o terror iminente. Por sua força narrativa e técnica, essa obra se tornou um marco, frequentemente comparada a uma pintura de valor inestimável.
Na adaptação de 2024, Leclercq transporta a ação para um ambiente genérico do Oriente Médio, onde os desafios incluem a travessia de 800 quilômetros de zonas de guerra, repletas de rebeldes armados, campos minados e estradas devastadas. Essa mudança de cenário, embora justificável como uma tentativa de contemporaneizar o enredo, perde o peso cultural e geográfico que enriquecia o original.
Os protagonistas, Fred (Franck Gastambide) e Alex (Alban Lenoir), são irmãos que se envolvem nessa missão por circunstâncias pessoais tensas. O filme utiliza flashbacks para explicar a relação entre eles: Fred, movido pela culpa após convencer Alex a participar de um assalto malfadado que o levou à prisão, aceita a perigosa tarefa de transportar nitroglicerina com a promessa de resgatar o irmão e dividir os lucros. Alex, por sua vez, traz sua expertise em explosivos para a trama, fornecendo um vínculo técnico e emocional à narrativa.
Leclercq investe pesado na atualização estética, usando CGI de forma ostensiva para criar sequências de ação grandiosas. Embora visualmente impactantes, essas escolhas estéticas dividem opiniões, particularmente entre os fãs do clássico. Para muitos, a essência do filme original, marcada pela simplicidade e tensão bruta, foi diluída em um espetáculo visual que sacrifica a profundidade emocional em prol de um entretenimento mais genérico.
Para quem não tem conexão com o clássico ou não aprecia a estética dos filmes antigos, a versão de 2024 pode ser uma experiência envolvente. Com ritmo intenso e cenas de ação bem coreografadas, o filme entrega o tipo de entretenimento que mantém o espectador preso à tela durante quase duas horas. Contudo, ao tentar agradar um público contemporâneo, “O Salário do Medo” 2024 parece perder parte da alma que fazia do original uma obra imortal.
Julien Leclercq pode não ter alcançado o mesmo nível de genialidade que Henri-Georges Clouzot, mas sua tentativa, ainda que polêmica, oferece uma nova porta de entrada para essa história clássica. Mesmo que não conquiste os puristas, é possível apreciar o filme como um tributo arriscado que, em seu melhor momento, nos lembra da eterna luta entre coragem e sobrevivência.
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