Em 1968, a Câmara dos Representantes contava com 435 membros para falar por uma nação de 179 milhões de habitantes, segundo o censo da década anterior. Apenas onze desses parlamentares eram mulheres, e cinco eram negros. A eleição de Shirley Chisholm (1924-2005), uma dedicada professora do Brooklyn, marcou a chegada das mulheres afro-americanas ao palco político nacional — e, de forma simbólica, à sua própria emancipação social e identitária.
Porém, Chisholm não se deteve nessa conquista inicial. Quatro anos depois, sua candidatura à presidência, retratada em “Shirley para Presidente”, destacou-se como um ato de coragem e uma aposta arriscada em uma sociedade ainda presa a paradigmas excludentes. A vitória inédita de uma mulher negra não se concretizou, mas a campanha acendeu o sinal de alerta para desigualdades que persistem até hoje e expôs os limites impostos a quem não se encaixa no ideal WASP — branco, anglo-saxão e protestante.
John Ridley, diretor e roteirista, traça a trajetória de Chisholm entre o Congresso e sua ousada tentativa de se tornar a 37ª ocupante da Casa Branca — cargo que acabaria nas mãos de Richard Nixon, forçado a renunciar em 1974 após o escândalo Watergate. Embora a nomeação democrata tenha ficado com o veterano George McGovern, a presença firme de Chisholm foi crucial para uma América ferida e ávida por mudança.
Assim como “Rustin” (2023), dirigido por George C. Wolfe, o filme sofre com o peso de sua protagonista. Tanto Bayard Rustin, ativista negro e gay, quanto Shirley Chisholm transcendiam suas próprias narrativas, e Ridley por vezes vacila ao capturar essa magnitude. A cena de abertura — Chisholm posando para a foto oficial no Capitólio — ilustra bem a singularidade dessa figura histórica. Regina King, com sua postura firme e olhar assertivo, domina a tela com a mesma presença que a deputada exerceu na vida real. A câmera de Ridley e a edição de JoAnne Yarrow reforçam essa imagem de determinação.
No entanto, o filme esbarra em lacunas importantes. A relação de Shirley com os homens ao seu redor — desde seu marido Conrad, vivido por Michael Cherrie, até conselheiros como Wesley Holder (Lance Reddick) e Arthur Hardwick Jr. (Terrence Howard) — é tratada com uma discrição que beira o moralismo. A omissão de detalhes sobre seu divórcio e o subsequente casamento com Hardwick Jr. reflete uma relutância em explorar sua complexidade pessoal, como se a sociedade ainda negasse às mulheres negras o direito à reinvenção.
A jornada de Chisholm, tanto como mulher quanto como negra, desafiou preconceitos arraigados até sua saída do Congresso em 1983, após sete mandatos consecutivos. Quando faleceu, em 2005, aos 80 anos, não pôde testemunhar a vitória de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA. Até hoje, nenhuma mulher de qualquer etnia ocupou a cadeira mais alta da nação.
“Shirley para Presidente” nos lembra que, apesar das barreiras derrubadas, muitas ainda permanecem. O legado de Chisholm persiste como um convite à reflexão e à ação contínua em busca de uma representatividade genuína e inclusiva.
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