Ter filhos é a maior aventura a que alguém pode se lançar, e por eles decerto se aprende logo que a fronteira do tolerável vai se alargando quase indefinidamente, até que outra vez comecem as pequenas chantagens, os berros estridentes, as tentativas frustradas de convencimento, para o banho, para a alface, a observação preocupada do que entra e, principalmente, do que sai da criança, prazeres de que mães e pais, nessa ordem, não abdicam e dizem ser o Céu na Terra. As dores da maternidade tornam-se ainda mais agudas quando a vida acha de juntar uma mulher imatura, superprotetora e algo autoritária e uma criança independente, caótica e dada a uma rebeldia um pouco mais aflorada que o normal. Feita essa ponderação, “Acampamento com a Mamãe” é uma divertida crônica sobre novas configurações de famílias e afetos, na qual o argentino Martino Zaidelis coloca uma mãe e seu filho num conflito permanente, até que os dois passem a se conhecer, a se desculpar e, afinal, comecem a entender que a vida não precisa ser tão difícil.
Filhos crescem e não têm vontade alguma de renunciar a seu quinhão de mundo; pais por sua vez sentem-se perdidos em meio à cornucópia de transformações que interferem no seu modo de levar o que lhes resta de vida, e esse insano compasso, cedo ou tarde, deságua num caos de proporções inéditas e desafiadoras, cuja solução talvez nunca se lhes revele. Os roteiristas Andrés Gelós, Natacha Caravia e Andrés Pascaner dotam o enredo de reviravoltas envolvendo um grupo de alunos do sexto ano, mas só depois que fecham o arco de Patricia e Ramiro Peiró, numa incansável sucessão de ataques mútuos. Zaidelis aproveita a introdução para construir sua protagonista, sócia com a irmã, Carla, de uma transportadora que herdaram do pai. Esse é um detalhe importante que o diretor usa na virada para o segundo ato, quando os motoristas contratados pela escola de Ramiro para guiar o ônibus que levará os alunos ao tal acampamento em Bariloche aparecem embriagados e Patricia, a supermãe, acaba se oferecendo para assumir o volante, com a imediata e furiosa objeção do garoto, claro.
A graça de “Acampamento com a Mamãe”, como se vê, começa muito antes da viagem, porém depois que o filme resolve justificar o título a história ganha boas oportunidades de explorar o bom elenco de coadjuvantes. Nos intervalos das crises familiares entre Patricia e Ramiro, com Natalia Oreiro e Milo Lis dedicados a fazer o filme acontecer, Giselle, uma outra mãe neurótica vivida pela ótima Dalia Gutmann, sua a camisa e encharca-se de lama para conquistar Diego, o professor de educação física, de Pablo Rago — que só tem olhos para Patricia. Oreiro equilibra-se bem entre as muitas situações a que sua personagem é submetida e Lis está sempre no mesmo compasso. O grande defeito do longa é o desperdício de Sofía Morandi, cuja Carla serve apenas como um expediente para diminuir as lacunas narrativas nos momentos em que Patricia quase enlouquece tentando satisfazer os caprichos do rebento, mas acaba por avaliar melhor suas estratégias e em vez de montar um quarto de jogos para ele deixa que o pai do garoto o faça, usando seu tempo e sua energia para programas mais excitantes. Há vida além da maternidade.
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