É amplamente conhecida a conexão de Gabriel García Márquez (1927-2014) com o cinema. Nos anos 1950, o autor colombiano, carinhosamente chamado de Gabo, atuou como crítico e participou da cobertura de pré-estreias de filmes. Contudo, sua verdadeira relação com a sétima arte era permeada por uma paixão clandestina — comparável a um amante que evita cruzar a rua para não se deparar com o objeto de seu desejo mais profundo. Gabo nunca viu em suas resenhas publicadas no jornal “El Espectador” algo que o distinguisse dos demais críticos, alguns talentosos, outros nem tanto. No entanto, ele reconhecia o potencial cinematográfico de seus romances.
Essa convicção aplicava-se a todas as suas obras, exceto a “Cem Anos de Solidão” — pelo menos em suas declarações públicas. A adaptação desenvolvida por Alex Garcia Lopez e Laura Mora Ortega para a Netflix não é a primeira tentativa de traduzir para o audiovisual a saga dos Buendía. Em 1981, o cineasta japonês Shūji Terayama (1935-1983) também levou a história às telas, com fortes referências estéticas e simbólicas à cultura latino-americana. Desta vez, a exigência dos filhos de García Márquez garantiu que a superprodução da Netflix respeitasse a essência regional da obra, proporcionando uma imersão imediata no universo criado pelo autor.
A Netflix adquiriu os direitos de “Cem Anos de Solidão” em 2019, mas o caminho até a aprovação das primeiras cenas foi longo e meticuloso, com pedidos constantes de revisões e cortes por parte dos herdeiros de Gabo. A experiência de assistir aos oito primeiros episódios em espanhol — embora existam legendas em português e inglês — é uma viagem direta à atmosfera pantanosa de Macondo, onde os jovens José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán nos aguardam. O romance, publicado em 1967, continua atual, refletindo a persistência da América Latina em suas crenças e tradições, enquanto luta para escapar de um destino marcado pela miséria.
García Márquez captura essa realidade por meio de personagens moldados pela guerra e pela paixão, cujos legados são transmitidos de geração em geração. A relação entre José Arcadio e Úrsula dá início à maldição que os leva a abandonar Macondo, após o patriarca lavar sua honra com sangue. Marco González e Susana Morales dão vida aos personagens em momentos distintos, explorando uma profundidade emocional que vai além das palavras.
A adaptação de “Cem Anos de Solidão” se soma a outras produções latinas que têm ganhado destaque. A Netflix também lançou “Pedro Páramo” (2024), dirigido por Rodrigo Prieto e inspirado no clássico de Juan Rulfo (1917-1986). Na Max, “Como Água para Chocolate” (2024), baseado na obra de Laura Esquivel, revisita a Revolução Mexicana com uma doçura ácida. Já em 2025, o Prime Video promete estrear “A Casa dos Espíritos”, adaptação do best-seller de Isabel Allende, cujo filme de 1993 foi dirigido por Bille August.
Série: Cem Anos de Solidão
Direção: Alex Garcia Lopez e Laura Mora Ortega
Ano: 2024
Gêneros: Drama
Nota: 9/10