Maior sucesso comercial da história do cinema francês, thriller de ação de Luc Besson arrecadou 2,8 bilhões nas bilheterias e está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Maior sucesso comercial da história do cinema francês, thriller de ação de Luc Besson arrecadou 2,8 bilhões nas bilheterias e está na Netflix

Já não existem mais as antigas mocinhas dos cinemas — e isso não poderia ser melhor. Durante décadas, a figura do herói disposto a arriscar a vida em prol de missões grandiosas foi um domínio masculino. Contudo, os ventos mudaram, e as mulheres agora ocupam, com naturalidade e mérito, o posto de protagonistas em narrativas complexas e populares. Scarlett Johansson é um exemplo notório dessa transformação. A atriz transita com maestria entre papéis intensos e dramáticos, como em “História de um Casamento” (2019), de Noah Baumbach, e aventuras de alto orçamento, como “Viúva Negra” (2021), dirigido por Cate Shortland. Em “Lucy” (2014), Johansson reafirma seu talento multifacetado, desafiando qualquer ideia preconcebida sobre os limites de sua versatilidade.

Sob a direção de Luc Besson, que parece ter concebido o papel pensando diretamente na atriz, “Lucy” abre com uma cena que estabelece imediatamente seu tom dinâmico. A personagem principal, interpretada por Johansson, se envolve em um diálogo provocativo e carregado de tensão com Richard (Pilou Asbæk), um personagem de moral duvidosa que carrega uma misteriosa mala lacrada. O conteúdo do objeto permanece um enigma até mesmo para o temido chefão da máfia taiwanesa, o senhor Jang, vivido de forma ameaçadora por Choi Min-sik. A narrativa acelera quando Richard, em uma tentativa desesperada de escapar de problemas, manipula Lucy para entregar a mala. Relutante, mas pressionada, ela cede. É nesse momento que Besson estabelece o suspense que permeará toda a trama, conduzindo o público a um turbilhão de acontecimentos brutais e transformadores.

O encontro de Lucy com Jang marca um divisor de águas. A crueldade do vilão desumaniza a protagonista, provocando na audiência uma mistura de repulsa e empatia. Esse evento traumático, no entanto, desencadeia uma metamorfose. Lucy emerge de sua condição inicial para se tornar algo além da compreensão humana — uma anti-heroína cujo intelecto transcende os limites da biologia. A premissa central do filme, baseada na ideia questionável de que utilizamos apenas 10% do cérebro, é exposta pelo doutor Samuel Norman (Morgan Freeman) em uma palestra que serve como uma âncora narrativa. Conforme Lucy atinge o ápice de suas capacidades cerebrais, ela abandona sua humanidade para se tornar uma entidade que sintetiza conhecimento, mas carece de conexões emocionais.

Besson equilibra o thriller tecnológico com reflexões filosóficas e pitadas de romance. Pierre del Rio (Amr Waked), um policial que se alia à protagonista no segundo ato, oferece momentos de respiro emocional, ainda que breves e quase efêmeros. A evolução de Lucy é comparada à história da humanidade, com menções à ancestral Luzia — a primeira mulher identificada da nossa espécie. Essa analogia reforça o ciclo trágico da protagonista: assim como a Lucy primordial simbolizava o início da vida como a conhecemos, a Lucy de Johansson representa uma nova etapa de existência, porém solitária em sua perfeição.

O final do filme, melancólico e reflexivo, sublinha o paradoxo da evolução sem limites: ao alcançar o conhecimento absoluto, Lucy perde aquilo que a tornava humana. Sua memória perfeita, ao invés de uma bênção, revela-se um fardo insuportável. Ao contrário de esquecer para sobreviver, ela lembra de tudo — e é exatamente isso que a consome. Besson conduz essa narrativa com precisão, entregando um filme que não apenas entretém, mas também provoca questões sobre a essência do que nos define enquanto seres humanos.

Filme: Lucy
Diretor: Luc Besson
Ano: 2014
Gênero: Ação/Drama
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★