Um sopro de esperança: o filme da Netflix que prova que o amor pode fazer milagres Dale Robinette / Studiocanal

Um sopro de esperança: o filme da Netflix que prova que o amor pode fazer milagres

A infância não é apenas um capítulo da vida, mas uma memória perene que se converte em refúgio emocional para adultos. Quando crescemos e adquirimos as inevitáveis cautelas da experiência, há sempre um fio invisível que nos liga àquela criança vulnerável que fomos. As fotos antigas capturam não apenas rostos jovens, mas também um tempo em que os pesos do mundo não pareciam tão insuportáveis ou, se o eram, nossa inocência nos protegia da percepção do fardo.

Os anos avançam, a juventude se esvai, mas a infância permanece como um santuário íntimo e intocado. Esse período se torna um espaço seguro ao qual retornamos em busca de consolo diante das adversidades da vida adulta. As cicatrizes dos tempos de brincadeira — os joelhos ralados, os balanços quebrados — não desaparecem; elas marcam a alma, influenciando escolhas e decisões sérias que o futuro nos impõe. Talvez por uma resposta instintiva de sobrevivência, as imagens dos nossos primeiros anos surgem à mente em momentos de dúvida ou deslumbre, como uma advertência ou uma celebração dos raros momentos de brilho que a existência nos oferece.

Nessa linha, Stephen Chbosky aborda os traumas e as descobertas da infância com habilidade ímpar em “Extraordinário”. Adaptado do livro homônimo de R.J. Palacio, o filme narra a jornada de August Pullman, um garoto especial em todos os sentidos. Auggie, que nasceu com uma rara anomalia congênita, precisou enfrentar cirurgias e desafios médicos desde os primeiros dias de vida. A cena inicial, um flashback que retrata o nascimento inesperado e caótico do menino, é apenas um prelúdio para a batalha diária que ele enfrentará.

Palacio concebeu a história inspirada por um encontro em uma sorveteria com um menino que compartilha as características de Auggie. Contudo, as raízes dessa narrativa parecem também se entrelaçar com a história real de Roy Lee Dennis, conhecido como Rocky, vítima de displasia craniodiafisária. Sua breve, porém intensa vida, foi dramatizada em “Marcas do Destino” (1985), dirigido por Peter Bogdanovich. Enquanto Rocky navegou pela contracultura dos anos 1970, Auggie explora um universo contemporâneo igualmente desafiador, mas com menos peso sobre seus ombros infantis.

A força de “Extraordinário” reside no equilíbrio entre a fragilidade de Auggie e a solidez do amor que o cerca. Julia Roberts brilha como Isabel, a mãe que abandona seus sonhos profissionais para se dedicar à educação do filho. Owen Wilson, como o pai, oferece uma interpretação terna e realista, enquanto Izabela Vidovic, como a irmã Olivia, traduz a complexidade dos sentimentos de uma adolescente que se vê à sombra das necessidades do irmão caçula. A química entre os atores torna a dinâmica familiar autêntica, oscilando entre momentos de ternura e tensões inevitáveis.

O filme não se esquiva das dificuldades enfrentadas por Auggie na escola, desde o bullying, combatido pelo diretor Tushman (Mandy Patinkin), até as amizades que testam sua confiança. Jacob Tremblay entrega uma atuação notável, conferindo a Auggie uma profundidade emocional que transcende a tela. Sua performance, ao mesmo tempo vulnerável e resiliente, transforma o garoto em uma representação universal de coragem infantil. Tal como em “O Quarto de Jack” (2015), Tremblay impressiona pela maturidade com que dá vida a personagens complexos.

“Extraordinário” nos lembra que a aceitação começa nos detalhes mais simples: um olhar, uma palavra ou um gesto de compreensão. Se o foco tivesse permanecido exclusivamente em Auggie, talvez a obra pudesse alcançar um patamar ainda mais sublime. Mesmo assim, Chbosky entrega uma narrativa poderosa e inspiradora, em que o extraordinário reside, afinal, na capacidade humana de acolher e ser acolhido.

Filme: Extraordinário
Diretor: Stephen Chbosky
Ano: 2017
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★