Um último gesto de amor: o filme, na Netflix, que vai partir seu coração e marcar sua alma Divulgação / A24

Um último gesto de amor: o filme, na Netflix, que vai partir seu coração e marcar sua alma

A triunfante volta de Brendan Fraser em “A Baleia” vai além de uma mera narrativa cinematográfica; é uma experiência de humanidade em sua forma mais crua e dilacerante. Após um longo hiato, motivado por seu corajoso embate contra os abusos sistêmicos de Hollywood, Fraser retorna sob a direção de Darren Aronofsky — mestre em desnudar as complexidades da mente humana em obras como “Réquiem para um Sonho” e “Cisne Negro”. Inspirado na peça de Samuel D. Hunter, o filme nos aprisiona em um espaço físico limitado, mas revela um universo de profundidade emocional ilimitada.

Fraser encarna Charlie, um professor de inglês cuja obesidade extrema simboliza mais do que uma condição corporal: é o reflexo tangível de suas culpas acumuladas. Enclausurado em sua casa, ele dá aulas online, ocultando do mundo um corpo que se tornou prisão e punição. Contudo, o filme não se limita a retratar uma deterioração física. Ele penetra nos motivos por trás desse isolamento, revelando um homem dilacerado pelo arrependimento e movido por um último desejo de reparação.

A trama se desenrola ao longo de uma semana intensa na vida de Charlie, que busca desesperadamente se reconectar com sua filha, Ellie — uma adolescente interpretada com profundidade emocional por Sadie Sink. O ressentimento que ela carrega desde o abandono paterno transforma essa aproximação em uma batalha dolorosa. Para Charlie, essa é sua última chance de redenção; para Ellie, é um confronto com uma figura paterna que ela aprendeu a rejeitar.

Liz (Hong Chau), amiga e enfermeira dedicada, serve como âncora para sua vontade de viver, enquanto Thomas (Ty Simpkins), um missionário jovem, oferece uma salvação espiritual que Charlie não sabe se pode aceitar. Cada personagem representa uma dimensão do conflito interno do protagonista: a luta pela sobrevivência, a busca pelo perdão e o peso insuportável da culpa.

O título “A Baleia” evoca diretamente “Moby Dick”, com sua metáfora da perseguição autodestrutiva. Para Charlie, a baleia é uma sombra do passado, uma lembrança incessante de suas falhas. Sua compulsão alimentar é um ciclo de punição e alívio temporário, uma expressão física de uma dor que não consegue exorcizar. O apartamento claustrofóbico reflete esse estado mental, uma cela simbólica onde cada centímetro ressoa com o vazio existencial que o consome.

Aronofsky utiliza cada detalhe do ambiente para intensificar a agonia do personagem. Objetos e sombras são testemunhas silenciosas de sua dor. A cinematografia íntima captura tanto a degradação física quanto o abismo emocional. A transformação de Fraser é brutalmente honesta, revelando nuances de vulnerabilidade e força que poucos poderiam transmitir.

A atuação de Fraser transcende a tela, mergulhando o espectador em sua dor. Seu desempenho vai além de comovente — é visceral, marcado por expressões sutis e gestos carregados de significado. Sua vitória no Oscar de Melhor Ator em 2023 é mais do que um reconhecimento profissional; é a celebração de sua coragem e resiliência.

Hong Chau, indicada ao Oscar por seu papel coadjuvante, adiciona uma presença que mistura compaixão e firmeza. A premiada maquiagem de Charlie reforça visualmente o peso emocional que ele carrega, tornando seu sofrimento palpável.

“A Baleia” transcende a narrativa de um homem lidando com a própria ruína. É um retrato da condição humana: a capacidade de ferir e ser ferido, de buscar redenção mesmo quando tudo parece perdido. Aronofsky desafia o público a refletir sobre suas próprias cicatrizes e sobre como suas ações ecoam na vida alheia.

Essa obra-prima prova que o cinema, em sua essência mais pura, pode tocar nas camadas mais profundas da alma. “A Baleia” lembra-nos do poder transformador do perdão e da conexão, instigando-nos a encarar nossos próprios monstros internos com coragem e humanidade.

Filme: A Baleia
Diretor: Darren Aronofsky
Ano: 2023
Gênero: Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★