O Iluminismo, que resgatou a humanidade de tormentos maiores que os atuais, encontrou na Dinamarca do século 18 um cenário paradoxal. Perdidos na península gelada da Jutlândia, os ideais de Voltaire e Rousseau brotaram com uma lentidão própria das grandes revoluções. “O Amante da Rainha”, do diretor dinamarquês Nikolaj Arcel, transforma esse passado hermético em um épico vibrante, onde política, sátira e romance se entrelaçam em meio à monarquia decadente. A narrativa desvela o relacionamento proibido entre uma rainha solitária e um dos raros homens sensatos a cruzar o caminho de um rei enlouquecido, enquanto a nação à beira da revolta luta contra a fome e a opressão.
A Dinamarca, isolada por uma nobreza déspota, resistia às mudanças que varriam a Europa. Embora a Revolução Francesa tenha sacudido o continente entre 1789 e 1799, o roteiro meticuloso de Arcel, Bodil Steensen-Leth e Rasmus Heisterberg decide recuar a 1775 — uma década e meia antes da queda da Bastilha —, destacando a originalidade dos eventos narrados. Para consolidar essa visão, a história retrocede ainda mais, até 1766, ponto em que a trama se solidifica em sua forma definitiva.
Caroline Matilde, uma jovem de apenas 14 anos, é arrancada dos campos britânicos para se tornar rainha consorte da Dinamarca. Arcel retrata com maestria a solidão avassaladora da futura soberana, ainda presa à sua essência infantil e melancólica. Seus solilóquios com o cavalo revelam reflexões perturbadoras sobre si e o mundo. Alicia Vikander encarna essa figura com precisão emocionante: uma rainha envolta em tristeza e resiliência. Sua chegada à Dinamarca hostil e o encontro com Cristiano VII, um rei instável, são presságios de um destino árduo e amargo.
Mikkel Følsgaard entrega uma atuação marcante como o rei Cristiano, cuja loucura crescente é catalisadora dos eventos. A inadequação do monarca cria espaço para a entrada de Johann Friedrich Struensee, médico alemão pobre e intelectual do Iluminismo. Struensee torna-se a esperança de mudança e, ao mesmo tempo, a fonte de um romance tão lírico quanto trágico com Caroline. A química entre Vikander e Mads Mikkelsen, que interpreta o médico, conduz cenas de tensão silenciosa e paixão reprimida. Os embates entre Cristiano e Struensee refletem uma luta ideológica e pessoal, na qual é evidente quem está destinado à derrota.
“O Amante da Rainha” não é apenas um relato de amor proibido; é a crônica de uma sociedade à beira do despertar, onde a razão luta contra a insanidade e a liberdade esbarra em tradições obsoletas. A trajetória de Caroline e Struensee ressoa como um prelúdio das grandes transformações que moldariam a Europa.
★★★★★★★★★★