Um respiro para a alma: o filme da Netflix que vai acalmar seu coração Divulgação / Film4

Um respiro para a alma: o filme da Netflix que vai acalmar seu coração

O abismo que engole o protagonista de “Meu Pai” não se limita à sua mente devastada — ele se alastra silenciosamente por cada relação tênue ao seu redor. A visão de Florian Zeller, que já havia conquistado os palcos do Théâtre Hébertot em Paris com a atuação de Robert Hirsch e Isabelle Gélinas, mostra-se ainda mais perturbadora quando transposta para o cinema. A peça, vencedora do Prêmio Molière de 2014, já prometia uma jornada densa e emotiva ao explorar as nuances da demência através de um texto rico e interpretações poderosas.

Desde sua estreia em setembro de 2012, o espetáculo sugere que a fragilidade da mente pode ser tão claustrofóbica quanto qualquer espaço físico. O palco limitado era habitado por dois atores no ápice de suas capacidades, complementados por uma produção que detalhava cada palavra e sensação. A experiência imersiva era uma janela para a mente em colapso do protagonista, culminando em uma realidade ilusória que se desfaz como um sonho interrompido por um sobressalto na noite.

O que torna a adaptação cinematográfica tão impactante é a engenhosidade de Peter Francis. Sua cenografia, que sutilmente altera o ambiente ao redor do personagem central, é uma representação visual do caos mental. Objetos que mudam de cor e forma sob nossos olhos fazem com que a percepção do público se embaralhe junto à do protagonista, transformando a experiência em um exercício de empatia brutal. A tecnologia, característica inata ao cinema, potencializa essa ilusão com precisão quase cruel.

A montagem de Yorgos Lamprinos, laureado pela Los Angeles Film Critics Association, desempenha um papel crítico nessa experiência sensorial. Cada corte é calculado para destacar as variações de humor e comportamento de Anthony, oferecendo ao espectador um fio de racionalidade em meio ao caos. Lamprinos, como Francis, é parte de uma engrenagem invisível que sustenta a narrativa, equilibrando o ordinário com o extraordinário de forma persuasiva e refinada.

A essência de “Meu Pai” está em sua abordagem implacavelmente mundana. A trilha sonora de Ludovico Einaudi, embora pareça conferir heroísmo a Anne, interpretada por Olivia Colman, na verdade sublinha seu desespero enquanto ela se perde em um apartamento-labirinto abarrotado de móveis e memórias. Colman, com uma atuação contida e precisa, é o contraponto ideal para Anthony Hopkins, que se entrega ao papel com uma intensidade avassaladora, desvendando cada camada do personagem sem medo de ofender sensibilidades.

O filme, coroado com o Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro Adaptado, permite que Hopkins explore as múltiplas facetas de Anthony com uma liberdade inquietante. No entanto, à medida que os conflitos se acumulam, a narrativa revela seu propósito mais sombrio. A obsessão de Anthony pelo relógio, apresentada logo no início, se desdobra como uma metáfora devastadora sobre a perda de controle. No desfecho, Zeller utiliza essa simbologia com lirismo brutal: Anthony, isolado em seu universo fragmentado, finalmente percebe que o tempo — outrora seu aliado — escapou-lhe irremediavelmente.

“Meu Pai” não é uma experiência divertida ou confortável, mas uma reflexão cortante sobre a inevitabilidade da perda e a fragilidade do vínculo humano. Uma obra-prima que, com cada detalhe, desafia o espectador a encarar o espelho distorcido da mente humana em seu momento mais vulnerável.

Filme: Meu Pai
Diretor: Florian Zeller
Ano: 2022
Gênero: Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★