Produzido por Martin Scorsese e dirigido por David Tedeschi, o novo documentário sobre os Beatles, “Beatles ‘64”, retrata a primeira viagem dos garotos de Liverpool aos Estados Unidos, em 1964. Foram 15 dias intensos, marcando a entrada triunfal da banda no mercado norte-americano. Já consagrados na Europa, os Beatles encontraram nos Estados Unidos um público fervoroso, comprovando que eram um fenômeno intercontinental. John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr não sabiam exatamente o que os aguardava no Novo Continente, mas a resposta foi avassaladora: fãs completamente conquistados pelo ritmo dançante do seu yeah-yeah-yeah.
“Beatles ‘64” começa de maneira peculiar. O filme não se preocupa em ambientar o espectador, mergulhando diretamente no momento em que o grupo aterrissa em Nova York. Cenas da multidão de adolescentes enlouquecidos são intercaladas abruptamente com a tragédia do assassinato de John Kennedy, ocorrido apenas meses antes. Tedeschi parece sugerir que a chegada dos Beatles representava, para os americanos, um sopro de esperança e alegria em meio à superação do trauma nacional causado pela morte do presidente, em novembro de 1963.
No entanto, a narrativa do documentário deixa lacunas importantes. Não fica claro quanto tempo os Beatles passaram confinados no Plaza Hotel em Nova York, nem como foi organizada a agenda da banda durante sua estadia no país. A obra não se dedica a oferecer um panorama mais estruturado, preferindo apresentar uma miscelânea de momentos que capturam o alvoroço causado pelos músicos no território americano.
Uma passagem marcante ocorre no Harlem, onde os Beatles encontraram um breve refúgio do assédio constante dos fãs. Na época, o bairro era majoritariamente habitado por comunidades negras e latinas, e a presença dos músicos britânicos não gerou grande alvoroço. Pelo contrário, foram eles que, ali, tiveram a chance de conhecer pessoalmente alguns de seus ídolos, as estrelas da Motown que os apresentaram ao rock’n’roll. Apesar de quase ignorados no Harlem, o documentário mostra que os Beatles, ao contrário de outros artistas brancos, eram respeitados e admirados por aquele público, cuja base musical incluía lendas como John Coltrane, o Miles Davis Quintet e The Miracles.
“Beatles ‘64” também traz entrevistas inéditas com Paul McCartney, George Harrison, Smokey Robinson, Jane Bernstein e outras figuras que vivenciaram ou foram impactadas pela passagem da banda pelos Estados Unidos. Além disso, o filme recupera materiais raros ou esquecidos, incluindo entrevistas de John Lennon e George Harrison, oferecendo ao público uma nova oportunidade de ouvir suas vozes em contextos históricos específicos.
Embora o documentário alimente o vasto repertório de obras sobre os Beatles, ele não oferece grandes revelações ou elementos inéditos que possam surpreender os fãs. Longe de alcançar o impacto de “Get Back”, dirigido por Peter Jackson, “Beatles ‘64” se limita a reforçar a simpatia, o bom humor e a humildade do quarteto. O filme captura o fascínio que os Beatles exerceram sobre os Estados Unidos, mas também revela a leveza com que eles encaravam o frenesi global em torno de sua música. Para os garotos de Liverpool, tudo aquilo parecia uma grande brincadeira — uma perspectiva moldada, talvez, por suas origens humildes em um bairro operário de uma cidade marginalizada na Inglaterra. Mesmo Paul, cuja família tinha uma condição financeira um pouco mais confortável, compartilhava das mesmas raízes proletárias que ajudaram a moldar o caráter coletivo da banda.
Apesar de suas limitações, “Beatles ‘64” é um registro valioso, que revisita um momento decisivo na trajetória dos Beatles. A obra reafirma o magnetismo do grupo e o impacto cultural de sua primeira incursão nos Estados Unidos, ainda que o espectador sinta falta de uma narrativa mais coesa e organizada. Para os fãs, contudo, o documentário é um convite nostálgico para reviver o auge da Beatlemania e contemplar o momento em que quatro jovens ingleses começaram a mudar, para sempre, o curso da música mundial.
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