O filme da Netflix que vai te deixar com frio na espinha e olhos grudados na tela Divulgação / Netflix

O filme da Netflix que vai te deixar com frio na espinha e olhos grudados na tela

A religião sempre ocupou um espaço paradoxal na humanidade: redentora para muitos, opiácea para outros. Em recantos menos iluminados da sociedade, a fé é um baluarte contra o desespero, mas também uma fonte de distorções perigosas. Quando manipulada por falsos profetas, a crença pode facilmente se transmutar em fanatismo cego, afastando almas inocentes da beleza e da graça que um dia buscavam. Esse é o cerne explorado com maestria por Gareth Evans em “Apóstolo” (2018), uma narrativa em que mistério, desespero e perversão espiritual se entrelaçam em uma trama de tensão constante.

O filme apresenta Thomas Richardson (Dan Stevens), um ex-padre cuja fé se fragmentou, retornando à sua terra natal apenas para se deparar com uma notícia alarmante: sua irmã, Jennifer (Elen Rhys), foi sequestrada. Ela está cativa em uma ilha remota no Atlântico Norte, um enclave onde um culto religioso peculiar se deteriora sob a liderança do autoproclamado profeta Malcolm (Michael Sheen). Com colheitas fracassadas e o espectro da fome pairando, os aldeões acreditam que a presença de Jennifer pode ser a solução divina para sua desgraça.

Diante dessa perspectiva sombria, Thomas infiltra-se entre os habitantes da ilha, atento às suas ambiguidades. Ele descobre um povoado cuja devoção é uma fachada para algo muito mais inquietante: uma mescla de ignorância e crueldade alimentada pelo desespero. A atmosfera criada por Evans é sufocante; a fotografia mergulha em tons sombrios, refletindo a opressão e o obscurantismo que permeiam cada cena. O diretor constrói uma narrativa onde o terror não se limita a sustos previsíveis, mas emerge das complexidades da fé manipulada e da fragilidade humana.

A partir do desembarque de Thomas, o filme se transforma em um estudo psicológico de como a religião pode ser distorcida para fins egoístas e sádicos. A ilha é um microcosmo de perversão espiritual, onde cada ritual e cada súplica são instrumentos de controle. Evans conduz o espectador por uma jornada perturbadora, em que a linha entre o sagrado e o profano é borrada até se tornar irreconhecível. O horror não reside apenas nas práticas violentas, mas na mente daqueles que as consideram justas e necessárias.

Ao longo da trama, o diretor desafia o público a absorver a malignidade do ambiente sem cair em repulsa imediata. A tensão se constrói lentamente, cada detalhe da ilha revelando camadas de fanatismo e desespero. Quando o enredo atinge seu ápice, a brutalidade não é gratuita, mas uma consequência inevitável da distorção religiosa apresentada. Gareth Evans não busca agradar com respostas fáceis ou finais confortáveis; pelo contrário, ele subverte expectativas, entregando um desfecho tão desconcertante quanto coerente com a narrativa.

“Apóstolo” não teme ser inquietante. É um filme que dilacera certezas e desestabiliza convicções, explorando as consequências devastadoras da fé transformada em fanatismo. A brutalidade visceral da obra, com cenas de violência que não economizam em impacto visual, é parte integrante dessa crítica feroz. Evans prova que o verdadeiro horror está nos desvios da alma humana, na capacidade de justificar atrocidades em nome de um ideal divino corrompido. No fim, a ilha, com seus segredos e seus horrores, não é apenas um cenário, mas um reflexo distorcido de uma sociedade à mercê de suas próprias sombras.

Filme: Apóstolo
Diretor: Gareth Evans
Ano: 2018
Gênero: Terror/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★