O que poderia querer uma garota de catorze anos que desperta uma estranha paixão na maior celebridade de sua época, passa a morar num palacete suntuoso e não tarda a estar ela também sob a mira de paparazzi do mundo inteiro? Priscilla Beaulieu é uma das tantas senhoritas Schopenhauer da história da cultura pop, primeiro desgraçadas por não poderem escolher, depois infaustas em suas escolhas e, por fim, cativas do desejo de quem imaginavam seu salvador. “Priscilla” tem uma gota de lágrima e um travo na garganta a cada cena, e Sofia Coppola, bastante hábil nisso, mantém tudo muito bem guardado. Priscilla é, a exemplo de quase todas as protagonistas de Coppola, uma mulher presa, oprimida, vítima de seu tempo e de si mesma, mas contraditoriamente livre para sair de sua gaiola de ouro a hora que quisesse — o que demorou a fazer, como se obrigada a aceitar as zangas de um destino que haveria de ensinar-lhe muito.
No começo dos anos 1980, Priscilla concedeu uma série de depoimentos à jornalista Sandra Harmon, que os compilou sob a forma de uma biografia romanceada; em 1985, “Elvis e Eu” provocou alguma comoção por causa das declarações corajosas e incômodas da ex-rainha consorte do rock, e quatro décadas mais tarde, Coppola enfrentou a ira de fãs radicais de Elvis Presley (1935-1977), um pleonasmo bem-vindo aqui, ao decidir remexer o vespeiro de um amor pleno de altos e baixos, acusações veladas de parte a parte, arroubos de felicidade e melancolia, tudo regado a doses crescentes de álcool, sedativos e opioides.
Priscilla vivia numa base militar os Estados Unidos na Alemanha com o pai, capitão da Força Aérea, e a mãe quando um amigo lhe acena sobre a possibilidade de conhecer Elvis, que também servia ali. Com tato, a diretora-roteirista vai elencando as pistas que levam o público a escandalizar-se com a aproximação do sargento Elvis, dez anos mais velho, e tanto mais com a rápida aquiescência do casal Beaulieu, embora Ann, a mãe esteja sempre com os dois pés atrás quanto à então remota chance de virar sogra do homem mais desejado do planeta. Dagmara Dominczyk confere a sua personagem um misto de zelo e alheamento, deixando para o marido a palavra final. Na pele do capitão Beaulieu, Ari Cohen encarna um pai compreensivo em excesso (ou interesseiro?), e sem resistência Elvis consegue persuadi-los a levar sua “pequena” para Graceland, onde a vida dos dois jamais será igual. Para melhor e para a pior.
Coppola desmembra o enfaro de Priscilla mostrando-a boa parte do tempo jogada na cama do casal — sem utilidade para além do descanso, porque Elvis a achava jovem demais (!) —, lendo fotonovelas, tão perto e tão distante de seu sonho. Antes, a afinidade entre eles parecia imbatível, o que a diretoria evidencia em sequências nas quais o sargento Elvis leva sua nova amiga de infância ao cinema, onde os dois assistem a “O Diabo Riu por Último” (1953), de John Huston (1906-1987), e Priscilla se encanta por Elvis saber as falas de Humphrey Bogart (1899-1957) de cor.
Quando ela aceitara subir ao quarto dele, ainda na Alemanha, pôde reparar num pôster de “Sindicato de Ladrões” (1954), o clássico dirigido por Elia Kazan (1909-2003), e sem querer “Priscilla” entra num tópico delicado da carreira de Elvis. Andreas Cornelius van Kuijk (1909-1997), o coronel Tom Parker, seu empresário por mais de vinte anos, não está de corpo presente, mas se faz sentir justamente no momento em que o romance frutifica. Parker via no pupilo uma máquina de fazer dinheiro, e o forçava a assinar péssimos contratos para filmes esquecíveis, o que a própria Priscilla relembra com visível desgosto no documentário “O Retorno do Rei: Queda e Ascensão de Elvis Presley” (2024), de Jason Hehir. Se Coppola prefere não aprofundar-se nas polêmicas comerciais de Elvis, a futura senhora Presley ocupa este espaço, como deve ser.
O desempenho assombroso de Caillee Spaeney compensa eventuais lacunas narrativas, como o sumiço dos pais de Priscilla e a invencível passividade diante de um companheiro de temperamento mercurial, que poderia ter degringolado em tragédia. O abuso de substâncias dos dois ganha tal ênfase que eclipsa a relação com Lisa Marie (1968-2023), e por outro lado a porção mística de Elvis, um leitor compulsivo da Bíblia, leva o enredo para o campo do fetiche. Se Spaeney incorpora a personagem-título dos catorze aos trinta anos com admirável verossimilhança, Jacob Elordi conserva seu Elvis vários tons abaixo da euforia pela qual o Rei era conhecido, prenúncio de um divórcio rumoroso e uma morte precoce, aos 42, quatro anos depois, em 16 de agosto de 1977.
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