Durante os períodos mais sombrios da guerra, inúmeras crianças foram arrancadas de seus lares e enviadas a locais distantes para escapar das ameaças iminentes. Exemplos emblemáticos desse êxodo infantil incluem a Operação Pied Piper, que realocou pequenos britânicos de zonas urbanas para o campo durante a Segunda Guerra Mundial, e os “trens das crianças”, que salvaram crianças judias da perseguição nazista, levando-as para refúgios além das fronteiras.
Em sintonia com esses eventos, o drama italiano “O Trem Italiano da Felicidade”, dirigido por Cristina Comencini, emerge como uma narrativa pungente inspirada no livro “Crianças da Guerra: A História Sobre o Trem Italiano da Felicidade”, de Viola Ardone. Baseado em fatos reais, o filme aborda a transferência de crianças do sul empobrecido para o norte da Itália após a guerra, uma iniciativa do Partido Comunista Italiano e da Unione Donne Italiane (UDI) para mitigar os impactos da destruição. Nesse cenário desolado, marcado pela perda de muitos homens e pelo colapso econômico, mães desesperadas buscavam uma oportunidade de sobrevivência para seus filhos.
A história segue Amerigo Speranza (Christian Cervone), um garoto napolitano de sete anos que, apesar de viver em extrema pobreza com sua mãe Antonietta (Serena Rossi), encontra momentos de alegria travessa junto aos amigos. Quando Antonietta decide enviá-lo ao norte para uma nova família temporária, ele se vê acolhido por Derna (Bárbara Ronchi), uma mulher solteira e generosa.
As duas mulheres que moldam a vida de Amerigo são opostos complementares: Antonietta, endurecida pela luta diária, representa a severidade e a sobrevivência, enquanto Derna encarna a ternura e as possibilidades de um futuro diferente. Sob os cuidados de Derna, Amerigo descobre o prazer da abundância, da liberdade no campo e da música, apaixonando-se pelo violino, símbolo das oportunidades que jamais teria em Nápoles.
Apesar dessa nova e acolhedora realidade, o coração de Amerigo permanece dividido. Cartas enviadas à mãe biológica revelam seu desejo constante de retorno. No entanto, o reencontro não se desenrola como esperado. Antonietta, consciente de suas limitações, não consegue esconder a frustração ao perceber que o filho experimentou uma vida melhor longe dela. Esse abismo emocional, fruto da separação e das circunstâncias, transforma ambos irreversivelmente.
Com ecos nostálgicos de “Cinema Paradiso”, “O Trem Italiano da Felicidade” encanta pelas interpretações de Rossi e Ronchi, que dão profundidade emocional à narrativa. A trilha sonora de Nicola Piovani, laureado com o Oscar, reforça a atmosfera melancólica e tocante da obra. Embora não tenha sido indicado ao Oscar 2025, o filme já figura entre os mais memoráveis do ano, destacando-se como um retrato sensível e doloroso das feridas da guerra e dos vínculos familiares postos à prova.
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