Precisa rir? A comédia francesa mais divertida da Netflix garante 100 minutos de risadas sem parar Divulgação / Netflix

Precisa rir? A comédia francesa mais divertida da Netflix garante 100 minutos de risadas sem parar

Em uma sociedade em que as pressões sobre a masculinidade são tão antigas quanto arraigadas, ser homem significa enfrentar cobranças que parecem nunca se esgotar. Do sucesso profissional ao desempenho pessoal — passando pela imagem refletida no espelho e, talvez o mais temido, a performance sexual — esses desafios acompanham o homem do despertar da puberdade até o ocaso de sua vida. É essa trama intrincada de expectativas que Éléonore Pourriat aborda com aguda inteligência em “Eu Não Sou Um Homem Fácil”, uma comédia romântica temperada com doses generosas de fantasia e crítica social. Nesta inversão de papéis, os homens são subjugados às mesmas circunstâncias delicadas que as mulheres enfrentam há milênios, enquanto o público feminino se vê espelhado em pressões tradicionalmente reservadas aos homens.

A narrativa de Pourriat, com exageros calculados e embasada por uma percepção lúcida da realidade, desdobra-se através do protagonista Damien, um homem aprisionado em suas próprias inseguranças. Interpretado com maestria por Vincent Elbaz, Damien é um arquétipo de fragilidade masculina contemporânea: um cinquentão que luta para sustentar uma virilidade questionável e vive em estado de alerta constante, como se precisasse reafirmar seu lugar no mundo a cada respiração. Logo na cena de abertura, um garoto que opta por vestir-se de Branca de Neve em uma peça escolar é humilhado não apenas pelos colegas, mas pelos adultos — revelando como os mecanismos de controle social moldam medos que, na vida adulta, tornam-se alicerces de inseguranças profundas.

Pourriat, junto à corroteirista Ariane Fert, subverte a fórmula de sucessos hollywoodianos como “Do Que as Mulheres Gostam” (2000), de Nancy Meyers. Mas aqui, a troca de perspectiva não serve apenas para o entretenimento; ela expõe de maneira incômoda a rigidez dos papéis de gênero. A cena do garoto é um prenúncio do destino de Damien, que surge estirado em um divã de psicanálise, consumido por um trauma latente. Sua obsessão pela virilidade ressurge em um ambiente de trabalho dominado por homens, onde ele apresenta com orgulho um aplicativo de nome impronunciável. A proposta? Medir e comparar o desempenho sexual dos usuários, reforçando a ideia de que a masculinidade está sempre sob escrutínio. O papel feminino, reduzido a um ícone decorativo, apenas orienta os homens sobre como acumular novas conquistas.

A trama toma uma guinada significativa com a entrada de Alexandra, o equivalente feminino de Damien, cuja presença serve como um espelho cármico. Interpretada com nuances e força por Marie-Sophie Ferdane, Alexandra oferece ao protagonista uma lição sobre empatia e limites, desafiando suas convicções mais arraigadas. O jogo de papéis revela não apenas o peso das expectativas masculinas, mas também o impacto corrosivo dessas pressões quando aplicadas às mulheres.

O desfecho, leve e espirituoso — como convém a uma comédia francesa — deixa uma provocação no ar: o século XXI não suavizará as batalhas dessa guerra primitiva entre os sexos. Pelo contrário, o campo de batalha se torna cada vez mais complexo e sutil, exigindo de todos uma reinvenção constante. No final das contas, “Eu Não Sou Um Homem Fácil” não oferece respostas fáceis, mas convida à reflexão sobre como construímos e sustentamos nossas identidades em um mundo onde o equilíbrio de poder é uma dança delicada e, por vezes, brutal.

Filme: Eu Não Sou Um Homem Fácil
Diretor: Éléonore Pourriat
Ano: 2018
Gênero: Comédia/Fantasia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★