A morte não avisa quando chega, mas sua iminência parece justificar tentativas desesperadas de remediar conflitos que décadas de orgulho, negligência e covardia consolidaram. Esse é o cenário de “As Três Filhas”, onde três mulheres confinadas em um apartamento enfrentam a finitude de seu pai moribundo, em uma trama que revisita, com nuances contemporâneas, o legado da peça de Anton Tchekhov. No entanto, o filme dirigido por Azazel Jacobs vai além de uma simples releitura, explorando questões universais sobre laços familiares e as falhas humanas.
No centro da narrativa, a tensão entre as irmãs Katie, Christina e Rachel é palpável desde a cena inicial. Katie, com seu ar professoral e uma superioridade mal disfarçada, estabelece o tom ao interagir com as demais, especialmente com Rachel, cuja vida desordenada contrasta fortemente com a das irmãs. O pai, Vincent, permanece em um quarto adjacente, seu estado terminal servindo como o catalisador para revelações e confrontos.
Jacobs atualiza os dilemas tchekhovianos sem perder de vista a essência do material original, equilibrando questões atemporais com elementos contemporâneos. Ele ilumina os papéis das irmãs em suas respectivas jornadas de maternidade. Katie, mãe de uma adolescente, exibe uma rigidez moldada por desafios práticos, enquanto Christina, ainda nos primeiros e doces anos de sua experiência maternal, mantém uma perspectiva mais idealista. Essas dinâmicas revelam as camadas de ressentimento e aspirações não cumpridas que permeiam a relação com o pai, uma figura cuja ausência emocional moldou suas vidas de maneiras profundas.
Rachel, interpretada de forma magistral por Natasha Lyonne, emerge como o coração pulsante do filme. A mais rebelde das irmãs, viciada em maconha e sustentando-se com apostas online, simboliza a disfunção familiar em sua forma mais crua. É por meio dela que o público mergulha nas hipocrisias e nos segredos não ditos que assombram essa família. Em contraste, Katie, vivida por Carrie Coon, e Christina, interpretada por Elizabeth Olsen, exibem vulnerabilidades que só se revelam completamente na proximidade da perda iminente.
O desfecho, centrado na partida final de Vincent, encapsula a mensagem do filme: a fragilidade das reconciliações tardias, forçadas pela proximidade da morte. Jose Febus, em uma atuação breve, mas impactante, encarna a transição entre o físico e o simbólico, deixando uma marca indelével no público. Azazel Jacobs conduz essa despedida com uma sensibilidade que ressoa, revelando que, apesar das diferenças e feridas, ainda há algo profundamente humano no esforço de consertar o que parecia irremediavelmente quebrado.
“As Três Filhas” não é apenas um drama familiar; é uma exploração honesta e dolorosa das dinâmicas que moldam nossas vidas. Com atuações notáveis e uma direção que respeita e reinventa seu material de origem, o filme reafirma que, mesmo nos momentos mais sombrios, há espaço para redenção. Mesmo que tarde, ela pode oferecer algum consolo.
★★★★★★★★★★