Sempre que uma criança perde sua inocência, a humanidade morre um pouco. Ainda na infância, o mundo vai se nos revelando um lugar surpreendentemente hostil, onde somos forçados a medir cada palavra e estudar todo gesto, sob pena de arcar com consequências pesadas demais para nossos ombros estreitos, onde flutua uma cabecinha deveras sonhadora. Já nos primeiros passos de uma jornada que pode ser longa demais, até para quem acredita que vai entregar os pontos no solavanco mais inofensivo, fica claro que estamos todos à mercê dos lobos travestidos de cordeiros que nos encurralam impondo-nos a maldade invencível de feras tão silenciosas quanto coléricas à espera de um qualquer nosso desmazelo para dar o bote e retalhar-nos o corpo e a dignidade, fazendo com que nos sintamos muito menos gente que cobaias da vaidade e da prepotência alheias. Queenie, a adorável protagonista de “Closing Dynasty”, pode ter se inspirado no que vira em casa a fim de apurar seu embrionário instinto de sobrevivência e sair por Nova York pedindo contribuições para supostos uniformes de um time de basquete, e a partir daí o canadense Lloyd Lee Choi elabora uma fábula sobre as dores do crescimento, lírica e plena de uma reflexão agridoce a respeito dessa coisa banal que é viver.
Enquanto trabalha em seu primeiro longa, “Lucky Lu”, em fase de pré-produção, Choi brinda o espectador com dezessete minutos de um enredo primoroso em seu dinamismo. A ação desdobra-se em meia dúzia de cenários, todos eles dominados pelo carisma magnético de Milinka Winata, que corta a Grande Maçã cabulando aula. Ela viaja num metrô lotado, é acolhida por uns, enxotada pela maioria, mas nunca desiste, o que vai conquistando a simpatia do espectador, a despeito de se tratar de uma menina de sete anos, desacompanhada, faminta.
O diretor-roteirista recorre a técnicas comuns à animação, deixando Queenie ainda menor frente aos arranha-céus de Manhattan e aos prédios de apartamentos do Brooklyn, e assim a garota esgueira-se de um beco em beco, oferecendo um diamante falso ao joalheiro interpretado por Joe Chan, furtando rosas com as quais ganha uma nota de vinte dólares e comprando com ela um youtiao de um e cinquenta na padaria da personagem de Maggie Law. A noite, quando fica cansada, volta para o Dynasty, o restaurante de entregas que os pais, vividos por Allen Chen e Eleven Lee, mantêm em algum lugar perdido no subúrbio.
De quando em quando, o cinema parece sentir falta de certa melancolia que só as crianças sabem despertar. Em “Closing Dynasty” há um pouco de “A Viagem de Chihiro” (2001), do animador japonês Hayao Miyazaki, ou de “Se Algo Acontecer… Te Amo” (2020), o desenho com que Michael Govier e Will McCormack levaram o Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação, ou mesmo do recente “O Trem Italiano da Felicidade” (2024), da italiana Cristina Comencini. E há muito de Milinka Winata, uma rainhazinha que pode ir ainda mais longe que Queenie.
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