Poucos autores conseguiram capturar com tanta precisão a complexidade do amor quanto Jane Austen (1775-1817) — ou as personagens que trouxe à vida, que, em essência, eram extensões de sua própria sagacidade e crítica social. Autora de um dos retratos mais minuciosos e cáusticos das limitações impostas às mulheres de sua época, Austen demorou a ser plenamente reconhecida por obras como “Orgulho e Preconceito”. Somente após sua morte prematura, aos 42 anos, em 18 de julho de 1817, vítima de uma doença autoimune desconhecida na época — o mal de Addison — seu talento passou a receber o devido reconhecimento.
Publicado em 1813, “Orgulho e Preconceito” serviu como válvula de escape para a imaginação inquieta de Austen, que vislumbrava uma sociedade mais equitativa, onde mulheres poderiam florescer em sua independência intelectual e emocional, como Elizabeth Bennet. Elizabeth, com seu espírito indomável e comprometida com a própria dignidade e razão, tornou-se um modelo para gerações futuras. É essa mesma busca pela liberdade e autoafirmação que impulsiona Jane Hayes, a protagonista do romance “Austenland”, de Shannon Hale, publicado em 2007. Jane Hayes, ao desejar ser como a célebre heroína de Austen, revela o desejo de conciliar romantismo com autonomia em pleno século 21.
A adaptação cinematográfica de “Austenland”, dirigida por Jerusha Hess, é um deleite tanto para os devotos de Austen — aqueles que se emocionam só de imaginar os primeiros raios do sol iluminando Netherfield Hall — quanto para os que jamais se aventuraram pela obra da escritora britânica. Durante os 97 minutos de filme, a efervescência de jovens sonhadoras e obstinadas por casamento gradualmente se dissolve em imagens pálidas e nostálgicas, envelhecidas pelo tempo. Esse tom melancólico é intensificado pela fotografia impecável de Larry Smith, que imprime uma textura quase tangível à passagem dos anos.
A protagonista Jane Hayes, interpretada por Keri Russell, é uma mulher dos tempos modernos que, em sua busca por uma fantasia idealizada, se permite mergulhar em uma versão viva dos romances de Austen. No resort “Austenland”, a tecnologia e as convenções contemporâneas são descartadas: não há celulares, modernidades íntimas ou flertes explícitos. Ali, os cavalheiros cortejam com polidez ensaiada e o romantismo segue roteiros do século 19. Contudo, à medida que Jane se submete a essa encenação e até aceita o título antiquado de “Senhorita Erstwhile”, percebe que a realidade daquele conto de fadas é muito menos idílica do que imaginara — e que nem mesmo Austen prometeu perfeição.
O humor da narrativa e a crítica social velada tornam “Austenland” uma celebração irônica do legado de Austen. É um lembrete de que, por mais que ansiemos por romances idealizados e gestos grandiosos, o verdadeiro desafio está em equilibrar a paixão com a integridade pessoal. Austen, com sua habilidade de explorar as contradições do coração humano, permanece atual exatamente por entender que o amor genuíno só floresce onde há respeito mútuo e liberdade.
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