456 dias no topo do mundo: a série de faroeste que se tornou um fenômeno global na Netflix Emerson Miller / Paramount Global

456 dias no topo do mundo: a série de faroeste que se tornou um fenômeno global na Netflix

O cinema, em sua constante metamorfose, reflete os anseios do público e os imperativos do mercado. “Yellowstone”, o híbrido de faroeste e thriller concebido por John Linson e Taylor Sheridan, representa uma tentativa obstinada de ressuscitar a aura mítica de um cenário que, para muitos, parecia obsoleto. Sheridan — a mente engenhosa por trás dos roteiros de “Sicario: Terra de Ninguém” (2015), dirigido por Denis Villeneuve; “Sicario: Dia do Soldado” (2018), comandado por Stefano Sollima; e “A Qualquer Custo” (2016), sob a direção de David Mackenzie — aproveita na série elementos apenas insinuados nesses filmes, apostando alto na construção psicológica de seu anti-herói, um personagem que jamais passa despercebido.

Nenhum faroeste digno desse nome existe sem figuras movidas pelo desejo visceral de justiça. São homens e mulheres que partem em uma jornada impiedosa contra aqueles que violam a ordem de suas terras e desonram suas famílias com o sangue dos inocentes. A força dessa premissa ecoa em tantas obras clássicas do gênero, onde vaqueiros e xerifes se tornam quase sacerdotes pagãos da terra — brutalmente hábeis em transformar o controle sobre os instintos mais primitivos em uma virtude celebrada não só por seus pares, mas por toda a sociedade. No entanto, assim como em outros segmentos da cultura americana, esses ícones foram lentamente varridos da história, restando apenas a memória nostálgica de uma era em que eram exaltados como desbravadores. A vastidão que um dia ocuparam encolheu-se em sombras na linha do horizonte.

John Dutton, protagonista interpretado por Kevin Costner, comanda em Montana uma propriedade mais extensa do que muitas cidades. No entanto, a riqueza não o imuniza contra tragédias. No spin-off “1923” (2022), também idealizado por Sheridan e transmitido pela Paramount+, a fachada de fortaleza que Dutton exibe logo revela suas fissuras. Os traumas de um passado marcado pela violência, relembrados em flashbacks da primeira temporada, moldam cada decisão. O núcleo familiar formado por Jamie (Wes Bentley), Beth (Kelly Reilly) e Kayce (Luke Grimes) alterna entre a sutileza e a brutalidade, frequentemente cruzando a linha tênue que os separa do crime.

Sheridan e Linson exploram, com astúcia, temas como disputas de terra, corrupção e as complexas relações políticas e econômicas que permeiam esses conflitos. Personagens como Thomas Rainwater (Gil Birmingham) e Lynelle Perry (Wendy Moniz) simbolizam os interesses divergentes e, por vezes, inconciliáveis dessa paisagem moralmente ambígua. A controvérsia envolvendo a saída abrupta de Costner deixou uma sombra sobre a série, talvez acelerando um desfecho inevitável. Afinal, é preferível partir deixando saudades do que permanecer até o tédio se instalar.

“Yellowstone” não apenas refaz o faroeste; ele o atualiza, expondo feridas contemporâneas sob a poeira de velhas tradições. Enquanto o sol se põe sobre esse cenário tumultuado, resta a sensação de que o gênero, mesmo quando fragmentado, ainda tem algo relevante a dizer.


Série: Yellowstone
Criação: John Linson e Taylor Sheridan
Ano: 2018
Gênero: Faroeste
Nota: 8/10