Inspirado em Hitchcock, suspense com Amy Adams baseado em livro lido por 3 milhões em todo o mundo está na Netflix Divulgação / Netflix

Inspirado em Hitchcock, suspense com Amy Adams baseado em livro lido por 3 milhões em todo o mundo está na Netflix

Durante a pandemia, fomos seduzidos por hábitos que iam de abrir incontáveis garrafas de vinho e pedir comida por delivery a finalmente enfrentar a pilha de livros e filmes acumulados ao longo da vida. Nesse contexto, é quase impossível não criar uma conexão instantânea com Anna Fox, a psicóloga atormentada vivida por Amy Adams em “A Mulher na Janela”. A personagem sintetiza o isolamento compulsório em sua forma mais angustiante: trancada em casa, envolta em suas próprias sombras e obcecada pela vida dos outros.

Sob a direção de Joe Wright, o filme não se contenta em ser mais um suspense convencional. Ele subverte expectativas com uma precisão quase cirúrgica, explorando o abismo psicológico de Anna. Amparado pelo roteiro de Tracy Letts, adaptado do best-seller de A.J. Finn, Wright mergulha o espectador em um thriller com ecos de Hitchcock, onde a trama densa e as camadas de instabilidade emocional se entrelaçam com a atmosfera sufocante da fotografia assinada por Bruno Delbonnel. Cada enquadramento, repleto de tons terrosos, reflete a clausura emocional da protagonista, que vagueia pela casa em trajes desleixados, evocando a imagem de um espectro preso entre o passado e a realidade fragmentada.

A narrativa flerta com a dúvida desde o início. Anna, traumatizada e reclusa, tem sua percepção comprometida por uma mente assombrada pelo medo de sair de casa. Quando ela testemunha o que acredita ser um crime na casa vizinha, a linha entre o real e o imaginário se dissolve. O elenco, com Gary Oldman e Julianne Moore — esta última substituída de forma intrigante por Jennifer Jason Leigh em uma virada de tom —, entrega performances que ampliam a tensão. Ainda assim, a confiabilidade de Anna permanece em xeque, deixando o público tão perdido quanto a personagem na teia de desconfianças que ela própria tece.

A introdução de novos elementos e personagens, como o enigmático vizinho Ethan, só intensifica o mistério. O roteiro não se limita a esclarecer o que ocorreu com os Russell; ele insinua que os verdadeiros fantasmas estão nas entrelinhas, representando medos universais, desde o isolamento nas metrópoles até a fragilidade da mente humana. O filme constrói, com sutileza, uma crítica social que desafia o espectador a refletir sobre temas que vão além do enredo: a solidão exacerbada, os preconceitos velados contra mulheres emocionalmente fragilizadas e a insensibilidade coletiva diante do sofrimento alheio.

Anna, em sua complexidade, funciona como um espelho da nossa vulnerabilidade. “A Mulher na Janela” não apenas escancara os perigos que espreitam nas grandes cidades, mas também sugere, em tom quase melancólico, que a verdadeira ameaça pode vir de dentro. No fim, a obra transcende a narrativa de um mistério resolvido; ela se transforma em uma ode à necessidade de empatia e à compreensão das cicatrizes que não conseguimos ver. Talvez, como Wright sugere, o enfrentamento desses inimigos invisíveis seja o único antídoto que nos resta em tempos tão incertos.

Filme: A Mulher na Janela
Diretor: Joe Wright
Ano: 2021
Gênero: Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★