Sarcástico e inteligente, tesouro com Meryl Streep e Gary Oldman está na Netflix Claudette Barius / Netflix

Sarcástico e inteligente, tesouro com Meryl Streep e Gary Oldman está na Netflix

Poucos filmes conseguem captar, com tamanha sagacidade e precisão, a banalidade do absurdo que permeia os escândalos financeiros globais. “A Lavanderia”, dirigido por Steven Soderbergh, transforma um tema árido e complexo em uma experiência cinematográfica que flerta com o tragicômico, enquanto desenha um retrato perturbadoramente familiar para o espectador brasileiro. Durante seus 96 minutos, a narrativa desliza entre o cômico e o desesperador, revelando o funcionamento intricado – e frequentemente impune — de um sistema construído para explorar os sonhos alheios. Ao final, o riso nervoso do público não é apenas um reflexo do desconforto, mas uma aceitação amarga de verdades há muito evidentes.  

Soderbergh, conhecido por sua habilidade em orquestrar histórias de golpes e intrigas judiciais, renova a fórmula ao injetar energia no roteiro de Scott Z. Burns. A agilidade das cenas, intensificada pela fotografia vibrante assinada pelo próprio diretor sob o pseudônimo Peter Andrews, suaviza o impacto de uma narrativa que poderia facilmente ser sufocada pelo peso de sua própria gravidade. Ao contrário, o diretor usa o brilho e as cores para contrastar com o chorume moral dos personagens, criando uma estética tão atraente quanto irônica.  

O fio condutor é um esquema de lavagem de dinheiro que atravessa continentes: de estelionatários texanos a contas intangíveis em paraísos fiscais. A complexidade das operações, que Burnes torna assustadoramente plausíveis, é apresentada com uma simplicidade que beira o didático, mas sem subestimar a inteligência do espectador. Gary Oldman e Antonio Banderas, em performances magnéticas, assumem os papéis de Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, dois advogados que personificam o cinismo e a hipocrisia da elite financeira global. Suas aparições, muitas vezes em meio a cenários glamorosos e smokings impecáveis, acrescentam um toque farsesco à seriedade do tema.  

Soderbergh divide sua narrativa em capítulos que ele chama de “segredos”, permitindo uma abordagem episódica que destaca o impacto devastador das práticas fraudulentas em diferentes camadas da sociedade. O primeiro segredo introduz Ellen Martin, interpretada por Meryl Streep, uma viúva comum cuja busca por justiça se transforma em uma batalha contra um sistema impenetrável. A personagem de Streep, embora não central, encarna a face humana das consequências desses crimes, entregando momentos de indignação genuína e sutis toques de humor ácido.  

À medida que a trama avança, Soderbergh eleva o tom de absurdo, culminando em uma sequência final onde Streep brilha em um monólogo que é tanto uma acusação quanto um apelo por transparência. A referência ao impacto global da corrupção, com menções a corporações e escândalos emblemáticos como o da Odebrecht, insere a narrativa no contexto de um problema sistêmico, transcendendo fronteiras.  

“A Lavanderia” não oferece soluções fáceis, nem se propõe a isso. Em vez disso, provoca, desconstrói e desafia o espectador a refletir sobre os mecanismos que perpetuam as desigualdades econômicas e sociais. É um lembrete de que, por trás das cifras astronômicas e dos paraísos fiscais, existem histórias humanas – e, muitas vezes, tragédias. Sob a direção engenhosa de Soderbergh, o filme transforma o desencanto em arte, fazendo do cinismo uma arma poderosa contra a apatia.

Filme: A Lavanderia
Diretor: Steven Soderbergh
Ano: 2017
Gênero: Biografia/Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★