Épico de tirar o fôlego foi indicado a 5 prêmios Bafta e é um dos mais subestimados da Netflix Larry Horricks / Netflix

Épico de tirar o fôlego foi indicado a 5 prêmios Bafta e é um dos mais subestimados da Netflix

O passado, frequentemente, carrega a força para moldar o presente, e em “A Escavação”, essa conexão se desdobra com uma sensibilidade poética rara. Baseado no romance “The Dig”, de John Preston, o filme dirigido por Simon Stone transporta o espectador para uma Inglaterra pré-Segunda Guerra Mundial, onde as fronteiras entre história, memória e dor pessoal se tornam tênues. Edith Pretty, interpretada com uma dignidade contida por Carey Mulligan, é a figura central dessa trama introspectiva, na qual intuição e perda se entrelaçam em uma busca que vai além do solo e das relíquias.  

Edith é uma mulher marcada por sua resiliência e por um luto avassalador. Vivendo em uma propriedade rural, desfrutando de um conforto material que não a protege do vazio emocional, ela cria sozinha seu filho Robert enquanto encara os ecos de uma vida que lhe escapa. Algo em seu íntimo, uma espécie de pressentimento, a conduz a acreditar que há mais sob seus pés do que terra e pedras. Essa convicção leva à contratação de Basil Brown, um arqueólogo autodidata cuja abordagem, guiada mais pela sensibilidade do que por métodos científicos, complementa os próprios instintos de Edith. Juntos, eles desvendam um navio funerário anglo-saxão que mudaria o entendimento sobre o passado britânico, ao mesmo tempo em que enfrentam seus próprios abismos interiores.  

A escavação literal reflete o desvendamento emocional de Edith. Enquanto Brown revela os restos de um navio usado para abrigar os pertences funerários do rei Raedwald — uma figura que transitava entre o paganismo nórdico e o cristianismo emergente —, Edith tenta reconciliar sua dor com o desejo de deixar um legado. A arqueologia, aqui, não é apenas ciência, mas metáfora. A descoberta do “Tutancâmon britânico” reaviva memórias e questiona o significado de preservação: seja do passado histórico, seja da própria humanidade.  

Brown, apesar de essencial à empreitada, enfrenta o preconceito por sua ausência de diplomas. Sua dedicação visceral à escavação e sua conexão com o solo — quase espiritual — não bastam para que seja reconhecido por seus pares acadêmicos. Esse apagamento ecoa as próprias inseguranças de Edith, que enfrenta a morte iminente e a culpa por acreditar que sua fragilidade física é reflexo de sua dor emocional. A sugestão de que sua doença seja uma somatização do luto abre caminho para uma leitura psicanalítica: a perda pode corroer, mas também transformar.  

A interação entre Edith e Brown transcende o profissional. Ambos são almas inquietas, buscando significado em um mundo que parece fadado à impermanência. Eles encontram no outro um reflexo de suas próprias lutas, uma compreensão silenciosa que os ajuda a enfrentar a inevitabilidade da perda. Enquanto Edith confronta sua mortalidade, Brown luta por legitimidade em um meio que o rejeita. Cada um, à sua maneira, tenta encontrar propósito em suas jornadas.  

O desfecho, profundamente melancólico, nos lembra que, embora a morte seja inevitável, o modo como vivemos e escolhemos enfrentar nossas batalhas pessoais define o que deixamos para trás. O passado, escavado com tanto cuidado, serve como um lembrete de que a vida é transitória, mas o impacto que causamos — mesmo que apenas em um punhado de pessoas ou em uma descoberta enterrada — é eterno. “A Escavação”  é um tributo à fragilidade e à resiliência humanas, uma ode àqueles que, mesmo diante da escuridão, escolhem cavar mais fundo.

Filme: A Escavação
Diretor: Simon Stone
Ano: 2021
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★