Quando a beleza se exaure na árdua missão de embelezar o mundo, a alegria assume a cena — ao menos até que o ciclo da vida cotidiana cobre sua conta: a chegada inevitável de um novo boleto, a saúde que fraqueja, os almoços familiares que descambam em batalhas épicas e as segundas-feiras que nos relembram o peso bíblico de conquistar o sustento com o suor da testa. É nesse compasso trágico e cômico que Benjamin, o melancólico saltimbanco de “O Palhaço”, encontra sua trincheira. Ele se protege sob uma máscara de coragem e risos fabricados, vendendo um bem precioso que há muito deixou de lhe pertencer, como quem rega, obstinadamente, um solo árido. Selton Mello, assumindo a dupla jornada de diretor e protagonista, compõe esse personagem desolado com toques que dialogam tanto com a nostalgia quanto com o lirismo. Inspirando-se em ícones que vão de Renato Aragão a Jacques Tati, passando por Oscarito e Fellini, Mello constrói um artista tragicamente cômico, permeado por um niilismo crescente diante da vida e seus caprichos. Ainda assim, Benjamin — ou Pangaré, no picadeiro — ergue o cálice amargo da existência, à espera de que o próximo espetáculo, talvez, ofereça um novo sentido.
Enquanto isso, em um cenário onde boias-frias lutam pelo sustento à beira de estradas poeirentas, o espectador é convidado a mergulhar na atmosfera do sul de Minas Gerais. Uma Rural vermelha atravessa o chão de terra, levantando a poeira enquanto o circo Esperança monta sua lona em uma serra de Passos. Nesse ambiente carregado de simbolismo, o roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicato utiliza imagens e silêncios para transmitir emoções profundas, apostando em uma narrativa que se desenrola com a sutileza de um drama pictórico. O filme, que se desenha como uma obra de quadros contemplativos, alterna momentos de frenesi e quietude ao longo de sua duração. A abertura é especialmente marcante, evocando uma atmosfera de sensibilidade visual que traduz mais do que palavras poderiam expressar.
À medida que o enredo avança, o protagonista, Benjamin, imerso em pequenas urgências cotidianas, passa a lidar com questões aparentemente triviais dos bastidores do circo. Entre elas, um ventilador para aliviar o calor de Lola, a carismática atiradora de facas interpretada por Giselle Motta. No entanto, essas minúcias revelam camadas mais profundas da narrativa, onde a busca por identidade ocupa lugar central. Benjamin, ou Pangaré, é um homem dividido entre a figura pública que faz rir e a alma cansada que não encontra mais graça em si mesma. Essa tensão aparece em cenas emblemáticas, como o desmoronamento literal de seu RG, um símbolo de sua dissolução interna e externa, culminando em sua apreensão pela delegacia local, onde Moacyr Franco, em um papel surpreendentemente dramático como o delegado Justo, oferece uma performance notável.
No picadeiro, Pangaré encarna a alegria teatral e a catarse visceral, especialmente em cenas ao lado de Valdemar, o experiente palhaço Puro Sangue, vivido com maestria por Paulo José. A parceria entre os dois é uma dança de contrastes: enquanto o riso explode da plateia, o vazio cresce nos bastidores. “O Palhaço” não apenas homenageia a tradição circense, mas também reflete sobre as máscaras que todos usamos para enfrentar a vida. A melancolia presente em “Feliz Natal” (2008), estreia de Mello na direção, encontra ecos nesta obra, mas aqui, ela amadurece em um estilo próprio, mais caloroso e introspectivo, revelando a profundidade de um artista que, mesmo exaurido, segue em frente, como quem aposta em um último e redentor ato.
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