Yeshua, Muhammad, Siddharta Gautama, Vishnu. Deus é o que quisermos que Ele seja, um salvador, um facínora, um filósofo desapegado, um peregrino numa vida curta e miserável de solidão, sordidez e brutalidade, como disse Thomas Hobbes (1588-1579) em seu “Leviatã” (1651). Religião e fé são variações de um mesmo tema, que alcança ainda o misticismo e, refinando-se um pouco mais a perspectiva, as relações entre Deus e o homem. Se a natureza divina se faz presente em todos os seres, animados ou inanimados, racionais ou não, como pensou Baruch Spinoza (1632-1677), o Criador seria também capaz de apresentar-se sob uma forma curiosamente ambígua, juntando num único ser a constituição sem falhas que o difere de qualquer outra entidade, e a matéria, perecível e dúbia, que conhecemos tão bem, apesar de a humanidade sempre ter preferido a ruína à metamorfose, o apocalipse à conversão.
Sem dúvida, o grande trunfo de “Virgem Maria” é mostrar a concepção de Cristo sob a ótica de uma jovem nazarena, pobre, ignorante, mas sábia, capaz de aceitar um destino que sentia trágico, porém o mais nobre de todos. D.J. Caruso dá um cavalo de pau das produções sobre marmanjos enfezados a exemplo de “xXx: Reativado” (2017) e decide abordar uma história em que todo mundo mete a colher, contornando a pieguice.
Considerada o ópio do povo por gente com outros vícios, a religião tem salvado uma legião de almas da danação eterna desde que o mundo é mundo, principalmente nos recantos menos iluminados. Por tão incompreendida, essa força invisível gera distorções naturais, que demandam atenção redobrada e combate imediato, a fim de se evitem os tantos equívocos que se valem da dúvida ou da incerteza para prosperar, personificados pelos falsos profetas que campeiam em toda parte e levam corações incautos para longe da beatitude, da beleza e da graça.
É essa hostilidade radical que leva certos críticos a apedrejar Noa Cohen, a israelense de 21 anos que dá vida à mãe do Salvador cristão, o que reacende a falsa polêmica sobre escalar atores identitariamente alinhados a seus papéis. Mais que dar conta do recado, Cohen emociona e o roteirista Timothy Michael Hayes prepara o terreno para que a atriz brilhe, mencionando na introdução a peleja de Joaquim e Ana, os pais da
Virgem, para que alcançassem a graça da descendência. Vagando pelo deserto em penitência, Joaquim sabe pela boca do anjo Gabriel que Ana dará a luz uma menina, e só de fazer essa conexão entre o nascimento de Maria e o de Jesus Caruso já merece aplausos. Anthony Hopkins encarna um Herodes repulsivo, quase assustador, mas o filme é mesmo de Cohen.
★★★★★★★★★★