Criado em 1965 por Frank Herbert, “Duna” consolidou-se como um marco na ficção científica literária, tornando-se o livro mais vendido do gênero. Sua complexidade narrativa já desafiou o cinema em 1984, quando David Lynch dirigiu uma adaptação controversa, amplamente criticada, apesar da indicação ao Oscar de Melhor Som. Para Lynch, o projeto tornou-se um fardo, algo de que ele preferiria se esquecer. Nos anos 2000, John Harrison dirigiu uma minissérie estrelada por William Hurt e Alec Newman, mais discreta em impacto, mas que garantiu dois prêmios Emmy.
Agora, sob o comando de Denis Villeneuve, um dos cineastas mais aclamados da atualidade, “Duna” renasce como uma experiência audiovisual de magnitude. A primeira parte da saga apresenta uma estética envolvente, aliando silêncio e contemplação em um futuro tão remoto que a Terra é apenas uma memória distante. Ainda assim, as questões abordadas permanecem profundamente contemporâneas.
No cerne do enredo, encontra-se uma intricada rede de intrigas políticas e reflexões sobre legado, religião, ecologia e tecnologia. Villeneuve explora a essência dessas questões em um universo sombrio e maduro, que evoca paralelos visuais com “Star Wars” sem perder sua identidade única. O planeta Arrakis, com suas dunas infindáveis e atmosfera hostil, torna-se o palco de uma luta pela sobrevivência em meio a rivalidades milenares e ambições desmedidas.
A trama gira em torno de Paul Atreides (Timothée Chalamet), herdeiro do duque Leto Atreides (Oscar Isaac) e de Lady Jessica (Rebecca Ferguson), uma membro da Bene Gesserit, irmandade mística que manipula linhagens genéticas em busca de um messias profetizado. Essa figura, destinada a transformar a humanidade, é vista por muitos como Paul, que encara o peso desse destino com dúvidas e hesitação.
O universo político de “Duna” é sustentado pela especiaria Melange, substância extraída de Arrakis que prolonga a vida, aprimora habilidades psíquicas e alimenta o monopólio das viagens interestelares. Essencial para a estabilidade cósmica, a Melange transforma Arrakis em um território de disputas ferozes. A rivalidade entre as Casas Atreides e Harkonnen é exacerbada quando o imperador, temendo a popularidade de Leto, conspira com o barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård) para eliminar seu adversário. O plano culmina em traições e tragédias, forçando Paul a enfrentar seu papel em um futuro incerto.
Villeneuve cerca a narrativa de uma grandiosidade técnica que merece destaque. Greig Fraser, diretor de fotografia, combina luzes naturais e vastidões desérticas para capturar a imensidão e a solidão de Arrakis. Cada enquadramento, como o reflexo de Paul no vidro do helicóptero, carrega simbolismos profundos, refletindo a transformação do protagonista.
A trilha sonora de Hans Zimmer é outra obra-prima, mesclando elementos experimentais, étnicos e vocais que evocam um misticismo visceral. Influências de Pink Floyd, com trechos de “Eclipse”, enriquecem a experiência sensorial, fundindo a atmosfera futurista a toques sobrenaturais.
Embora deslumbrante, a primeira parte de “Duna” pode confundir espectadores menos atentos devido à sua narrativa intricada e conclusão aberta. Ainda assim, Villeneuve entrega um prelúdio poderoso para a segunda parte, entregue em novembro de 2023. Por outro lado, a HBO exibe a série “Dune: The Sisterhood”, expandindo o universo criado por Herbert.
Com temas atemporais e um visual arrebatador, “Duna” não é apenas um filme, mas uma obra que redefine os limites do cinema de ficção científica. Villeneuve não apenas reviveu uma história monumental; ele a transformou em uma experiência que desafia e cativa o espectador a cada cena.
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