Faroeste de Ron Howard acaba de chegar à Netflix e vale cada milésimo do seu tempo Divulgação / Sony Pictures Releasing

Faroeste de Ron Howard acaba de chegar à Netflix e vale cada milésimo do seu tempo

Uma nação é feita de homens e lendas. No caso dos Estados Unidos, o Velho Oeste, uma terra sem lei ao longo do século 19, era pródiga de homens imbuídos de um desejo de retaliação, que atiravam-se de cabeça numa jornada contra quem mexia com a concórdia de seus domínios. Esses personagens tornaram-se sacerdotes mundanos, exímios mestres na arte oculta de fazer de seu lado mais primitivo uma força temida não só por quem os rodeia, mas por toda a gente. 

Com “Desaparecidas”, Ron Howard junta-se a nomes como John Sturges (1910-1992), Sergio Leone (1929-1989), Lawrence Kasdan e Jon Cassar e passa à galeria de diretores que exploraram o gênero americano por natureza, malgrado banque algumas subversões. Para começo, a figura central em seu filme, baseado em “The Last Ride” (1995; “a última viagem”, em tradução livre), o romance de Thomas Eidson, é Magdalena “Maggie” Gilkeson, uma curandeira branca, mãe solo de duas filhas, acostumada a resolver seus problemas sem a ajuda de marmanjo nenhum. A vontade de chocar do roteiro de Ken Kaufman, entretanto, vai só até a página dois, e Maggie logo precisa do socorro de um homem específico numa intrincada questão familiar.

Maggie administra seu rancho no Novo México e nas horas vagas atende um ou outro vizinho, como a velha índia de quem arranca um dente podre, o último. As visitas de Brake Baldwin abreviam sua solidão, malgrado ele jamais passe a noite, porque Maggie não quer cair na boca do povo. O antirromance de Maggie e Brake, vividos por Cate Blanchett e Aaron Eckhart, capta a atenção do público, mantendo a audiência entretida ao que Howard começa a preparar a primeira grande reviravolta do enredo. Por uma razão bem explicada no segundo ato, Samuel Jones, o pai de Maggie, reaparece depois de ter abandonado a família e ido viver em meio aos indígenas, absorvendo seus hábitos de tal forma que acaba sendo confundido com eles. Ele diz sentir uma dor no ventre, Maggie o atende e o despacha, sem imaginar que dias mais tarde os apaches armam uma emboscada, matam Brake e sequestram Lilly, sua filha mais velha. Samuel então volta e por mais que Maggie o queira bem longe, acaba por aceitar a intervenção do pai.

Muito mais que as sequências de tiroteios e confrontos físicos, a graça de “Desaparecidas” está na lenta, lentíssima reaproximação de Maggie e Samuel, uma manobra que o diretor executa com diligência, contando com Jenna Boyd como Dot, a filha caçula — que só poderia ter viajado com aqueles dois para isso mesmo. Tommy Lee Jones não desperdiça a menor chance de sublinhar a retidão moral de Samuel, escondida sob uma grossa carapuça enrugada, enquanto Blanchett aos poucos leva sua anti-heroína para onde ela deve ir. Talvez o grande defeito do filme sejam as sempre desconhecidas razões do coração. Num tempo sem lugar para os fracos.

Filme: Desaparecidas
Diretor: Ron Howard
Ano: 2003
Gênero: Faroeste/Thriller
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.