A lei da gravidade age sobre todo mundo, porém para Elisabeth Sparkle isso é uma maldição. A atriz decadente que há anos apresenta um programa de ginástica na tevê recebe o bilhete azul do chefe, Harvey, um executivo caricato e repulsivo, que procura por alguém com um terço da idade dela, dando-lhe como recompensa por toda a dedicação um livro de culinária francesa.
Não fosse pelo que vem depois, “A Substância” poderia ser comparado com algumas outras produções do cinema a exemplo de “Replace” (2017), dirigido por Norbert Keil, “A Pele Que Habito” (2011); levado à tela por Pedro Almodóvar; ou o engraçado “A Morte lhe Cai Bem” (1992), de Robert Zemeckis, todas em alguma medida baseadas na vida como ela é. Aqui, entretanto, Coralie Fargeat estica a corda ao máximo, sem medo de patrulhas, e não faz feio — pelo menos até um ponto determinado de sua ficção científica misturada ao gore mais enérgico.
“A Substância” reflete o espírito do tempo e chega na hora mais certa, quando injeções mágicas prometem (e cumprem) vinte ou trinta quilos a menos instantaneamente, sem que se saiba ainda qual o preço a se pagar a longo prazo. Como a longo prazo estaremos todos mortos, a ordem, para quem dispõe da grana, é aproveitar e tirar proveito da sua tal melhor versão, como faz Elisabeth. A diretora-roteirista consegue efeitos inusitados juntando o kitsch ao sombrio, que se desvela aos poucos. Todas as cenas estão encharcadas de brilho e néon kubrickianos, e quanto mais perto a protagonista chega daquela que parece sua salvação, mais colorido o enredo torna-se, justamente para encobrir a abjeção que se aproxima. Fargeat abusa da escatologia nas quase duas horas e meia de filme, sobretudo no primeiro ato, quando Harvey, de um corajoso Dennis Quaid, ratifica a demissão de sua estrela idosa, no almoço em que mergulha camarões num molho espesso. O barulho da mastigação só não agasta mais que as tomadas de dentes punidos pelo tártaro diante de uma mulher acuada, provando afinal uma boa dose de seu veneno.
Elisabeth resolve dar uma chance ao desconhecido e vai atrás da tal Substância, da qual ficara sabendo pelo enfermeiro interpretado por Robin Greer. O espectador precisa estar atento para entender o método: ativar o eu mais jovem uma única vez, e as duas, a matriz e a cópia, devem revezar-se em suas funções biológicas a cada sete dias, impreterivelmente. As boas interações entre Elisabeth e Sue, a Elisabeth mais nova, são o grande pulo do gato de “A Substância”; Demi Moore e Margaret Qualley mostram destreza ao equilibrarem-se de um para outro lado, primeiro como se fossem mãe e filha amorosas (até porque interdependentes; Elisabeth é a hospedeira e Sue, a parasita), e depois encarnando rivais declaradas, que desrespeitam as regras do uso do fármaco milagroso e destroem-se.
O problema com “A Substância” também é justamente esse: não saber a hora de terminar. Se Fargeatoptasse por encerrar o longa aí, teria conseguido um filme grandioso, mas estender a narrativa para uma segunda rodada, com a reaplicação que gera o monstro Elisasue e o consequente banho de sangue final foi como enfeitar o pavão. Essa piada metalinguística artificiosa e involuntária tira muito da força da trama, que já havia falado tudo.
★★★★★★★★★★