188 dias no Top 10 mundial: o thriller de mistério que dominou o streaming agora está no Prime Video e na Max Divulgação / New Line Cinema

188 dias no Top 10 mundial: o thriller de mistério que dominou o streaming agora está no Prime Video e na Max

A efervescência da era de ouro de Hollywood continua a ecoar em produções que evocam o glamour nostálgico daquele tempo. Nelas, mulheres eram apresentadas como figuras graciosamente submissas, sempre impecáveis em vestidos de seda estampados e penteados meticulosamente elaborados. Essas personagens viviam vidas metódicas, dividindo seu tempo entre tarefas domésticas irrepreensíveis, assados perfeitos e fofocas regadas a laquê nos salões de beleza, onde trocavam confidências com vizinhas de rotinas igualmente previsíveis.

Olivia Wilde captura essa atmosfera com um olhar crítico em “Não Se Preocupe, Querida”. À primeira vista, o filme parece uma celebração visual da estética dos anos 1950, mas logo nos primeiros quinze minutos, Wilde revela suas ambições. Em sua segunda empreitada como diretora, ela explora não apenas o fascínio por cenários deslumbrantes e figurinos impecáveis, mas também desconstrói a visão idealizada de um mundo já ultrapassado. O filme se desenrola com um suspense habilidoso, onde cada detalhe — por mais elegante que seja — traz consigo uma sensação latente de desconforto, como se algo profundamente errado estivesse prestes a ser desvendado.

O roteiro, assinado por Carey e Shane Van Dyke e Katie Silberman, entrega um material repleto de camadas. Wilde, como fez em sua estreia com “Fora de Série” (2019), transforma essa base em cenas visualmente harmoniosas, mas carregadas de revelações perturbadoras. O trabalho de direção reforça o contraste entre a aparente perfeição estética e as rachaduras subjacentes, um reflexo direto das inquietações que permeiam os personagens.

Grande parte da força do filme recai sobre os ombros de Florence Pugh. Sua interpretação de Alice, uma dona de casa exemplar da década de 1950, é arrebatadora. Alice vive em Shangri-la, uma comunidade modelar nos arredores de Los Angeles, onde espera pelo marido, Jack, em meio a móveis minimalistas e eletrodomésticos que simbolizam o modernismo da época. A frustração silenciosa do casamento sem filhos é um traço compartilhado por todas as mulheres da vizinhança, que, impecavelmente arrumadas, encobrem seus dilemas pessoais sob a rotina padronizada.

Os maridos saem todas as manhãs, sempre no mesmo horário, guiando seus carros imponentes rumo ao misterioso Projeto Vitória. Os detalhes sobre esse empreendimento permanecem envoltos em segredo até os momentos finais, enquanto o filme mantém a audiência intrigada com sua narrativa meticulosamente calculada. A direção de arte, sob o comando de Erika Toth, cria um cenário que remete ao auge do romantismo norte-americano, ao mesmo tempo em que semeia dúvidas sobre a idoneidade desse paraíso fabricado.

O ponto de virada ocorre durante um jantar na casa de Frank, o enigmático líder do Projeto Vitória, interpretado com magnetismo por Chris Pine. Seu carisma é cortante, mas carregado de intenções sombrias, que se tornam mais evidentes em cenas como a de um almoço em sua residência, onde Alice e Jack protagonizam momentos carregados de tensão sob o teto de Frank e sua esposa, Shelley, vivida por Gemma Chan. A dinâmica remete à essência de “Longe do Paraíso” (2002), de Todd Haynes, misturando charme e desconforto em igual medida.

Enquanto Florence Pugh domina o longa com maestria, Harry Styles não alcança a mesma profundidade em seu desempenho como Jack. Sua atuação, ainda que esforçada, carece de nuances, dependendo excessivamente da interação com Pugh. Já Olivia Wilde, que também atua como Bunny, entrega uma performance que, embora funcional, parece improvisada, como se sua inclusão no elenco tivesse ocorrido de última hora. Contudo, essas falhas menores não comprometem seu trabalho como diretora, que sustenta o filme em um equilíbrio surpreendentemente eficaz entre o impacto visual e a crítica subjacente.

Ao final, “Não Se Preocupe, Querida” cumpre sua proposta: mais do que um suspense esteticamente deslumbrante, é um retrato afiado de ilusões coletivas e fragilidades estruturais. Ainda que algumas soluções narrativas possam parecer convenientes, a experiência geral transcende essas limitações, entregando um filme que, ao mesmo tempo, entretém e provoca reflexão.

Filme: Não Se Preocupe, Querida
Diretor: Olivia Wilde
Ano: 2022
Gênero: Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★