Grande parte de nossa essência, aquilo que molda quem somos, começa a se consolidar na infância. A fragilidade e a pureza estampadas nas fotografias de crianças de tempos remotos encerram, paradoxalmente, a força primordial de que precisamos para encarar o futuro. São nesses primeiros anos que acumulamos as reservas indispensáveis para suportar as adversidades que a existência nos impõe. Viver — ou mesmo apenas sobreviver — frequentemente se assemelha a um fardo insuportável; o mundo não apenas reprime, mas esmaga nossas aspirações, enquanto o tempo, inabalável mesmo diante das figuras mais imponentes da humanidade, nos desafia com sua passagem implacável, reiterando nossa profunda insignificância.
É somente ao atingirmos uma certa maturidade no percurso individual e intransferível que trilhamos que percebemos que tudo o que já foi necessário para sermos felizes estava conosco em algum momento da infância. Esses dias, invariavelmente, pertencem a uma época em que a esperança sempre superava as inquietações, os sofrimentos eram lições disfarçadas e, por mais severas que fossem as dificuldades, elas acabavam perdendo sua arrogância diante da alegria genuína e da serenidade inconsciente que caracterizava nosso olhar infantil.
A infância, afinal, não é apenas um período cronológico; é o refúgio atemporal ao qual retornamos quando buscamos consolo diante dos embates da vida. As experiências vividas nessa fase inaugural permanecem como balizas que orientam nossas reações diante de desafios ou oportunidades futuras, moldando nossa percepção e determinando a forma como lidamos com os momentos de triunfo ou fracasso. Não é exagero dizer que o modo como vivemos a infância define, em grande parte, o enredo de nossa existência adulta, quando as fantasias dão lugar à realidade crua e viver se torna uma batalha incessante.
Nesse contexto, somos obrigados a nos adaptar, a construir uma carapaça contra os golpes do cotidiano, tal como nos alertaram aqueles que nos antecederam. No entanto, há quem não tenha sequer a chance de experimentar plenamente esse território mágico e formador. É o caso de Richard e Emmeline, protagonistas de “A Lagoa Azul” (1980), cujas infâncias são abruptamente interrompidas. Longe de representarem um ideal de felicidade, suas jornadas revelam o peso da ausência de civilização e os dilemas de uma existência forçada à adaptação em um ambiente ao mesmo tempo paradisíaco e implacável.
Dirigido por Randal Kleiser, “A Lagoa Azul” marcou uma geração com sua estética idílica e narrativa que contrasta beleza e ameaça. Para aqueles que tinham idades próximas às dos protagonistas, o filme surge como uma espécie de metáfora existencial: um lembrete do quanto dependemos das estruturas sociais e culturais para mediar nossas experiências e da precariedade de nossas certezas diante da natureza selvagem. Baseado no romance homônimo de Henry De Vere Stacpoole, publicado em 1908, o roteiro de Douglas Day Stewart conserva os elementos centrais da obra original, adaptando-os para explorar questões universais sobre a essência humana e sua relação com o meio. A história, que já havia sido levada às telas em 1923 por Dick Cruikshanks, reflete o fascínio e a inquietação que emergem do confronto entre o homem civilizado e a brutalidade do desconhecido, uma dinâmica que havia impactado o público anos antes com a violência visceral de “Tubarão” (1975), de Steven Spielberg.
Os pequenos náufragos, Richard e Emmeline, sobrevivem a um desastre em alto-mar e são forçados a habitar um paraíso natural que se revela cheio de perigos ocultos. Essa trama, que inicialmente pode parecer simples, toca em profundidades emocionais e filosóficas que ressoam de maneira inquietante. A presença do marujo Paddy Button, interpretado por Leo McKern, oferece aos protagonistas uma espécie de guia transitório antes que eles assumam, por conta própria, os desafios de uma existência autossuficiente. As atuações de Christopher Atkins e Brooke Shields, que assumem os papéis principais na fase adulta dos personagens, são marcantes não apenas pela beleza e vulnerabilidade que transmitem, mas também pela maneira como expressam a descoberta do mundo e de si mesmos em circunstâncias excepcionais. A nudez apresentada no filme, desprovida de erotismo e carregada de simbolismo, reforça a ideia de que estamos diante de um experimento narrativo sobre a condição humana em seu estado mais primitivo.
Ao longo da história, Richard e Emmeline exploram os mistérios fundamentais da vida: o nascimento, o instinto de sobrevivência, o amor, a sexualidade, a formação de uma família e até mesmo o além. Tudo isso é enfrentado com as parcas informações que carregavam ao se verem isolados, mas, de forma notável, também com a sabedoria que desenvolvem em um ambiente tão hostil quanto repleto de novas possibilidades. O desfecho, que reserva uma reviravolta significativa, sugere de maneira contundente o impacto inevitável do meio sobre nossas vidas. Tal como os protagonistas, estamos constantemente sujeitos às forças externas que nos moldam, em uma luta que, muitas vezes, se mostra tão inevitável quanto infrutífera. Ao final, “A Lagoa Azul” não é apenas um retrato poético de uma vida à margem da civilização; é um convite a refletir sobre o quanto somos moldados pelas condições em que vivemos e sobre os limites de nossa capacidade de adaptação.
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