Paul Mescal recebeu sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Ator por sua performance em “Aftersun”, filme que mergulha nas recordações pessoais da diretora Charlotte Wells. A obra reflete as últimas férias que ela compartilhou com o pai, ambientadas no litoral turco. Na narrativa, o pai assume a figura de Calum (vivido por Mescal), um homem de 31 anos que organiza a viagem para celebrar seu aniversário ao lado da filha Sophie, interpretada pela talentosa Frankie Corio, de 11 anos. Calum não reside mais com a família na Escócia, o que limita o convívio, mas sua presença amorosa molda o olhar artístico da filha.
Sophie utiliza uma câmera MiniDV ao longo da viagem, ecoando as experiências de Charlotte na adolescência. As perguntas que Sophie faz a Calum por meio das filmagens refletem uma curiosidade quase ingênua, mas carregada de significado. Esses momentos, inspirados nas interações reais entre Charlotte e seu pai, ganham força emocional em um filme que transita entre o presente e as sombras do passado. Embora Calum deseje estar mais próximo da filha, algo o impede constantemente: uma melancolia silenciosa e uma desconexão crescente.
A narrativa é estruturada em flashes de memória, compondo um mosaico de cenas marcantes: pai e filha brincando na piscina, explorando o mar em passeios de barco, gravando momentos triviais, cantando em karaokês ou dançando ao som de “Under Pressure”, de David Bowie. É nessa música, cuja letra pergunta “Por que não podemos nos dar mais uma chance?”, que a imagem de Calum parece desaparecer na escuridão. Mesmo ao lado de Sophie, ele dá sinais de um distanciamento emocional. Perguntas profundas, como “Onde você achava que estaria hoje quando tinha minha idade?”, ficam sem resposta, e o silêncio preenche lacunas que Sophie ainda não pode compreender por completo.
Charlotte explora a complexidade desse relacionamento de forma sensível, revelando o esforço de Calum em poupar a filha de suas angústias. Ele esconde de Sophie suas dificuldades financeiras e emocionais, mas esse ato de proteção cria um abismo silencioso entre eles. Praticante de Tai Chi, Calum tenta equilibrar-se em meio às adversidades, mas sua serenidade externa contrasta com a tempestade interior. Esses detalhes reforçam a profundidade do personagem e a autenticidade da narrativa.
Sophie, por sua vez, enfrenta seu próprio rito de passagem. À beira da adolescência, ela começa a perceber os sinais de que algo não está bem com o pai. Apesar de sua perspicácia, a distância emocional é uma barreira que ela não consegue superar, por mais que tente alcançá-lo.
Calum é retratado como um pai jovem, cuja juventude é, por vezes, confundida com imaturidade. Ele carrega o peso de responsabilidades para as quais não estava totalmente preparado. Sonhos como abrir um negócio com um amigo ou mudar para um apartamento onde Sophie tenha seu próprio quarto refletem suas intenções de recomeço, mas também denotam a frustração de alguém que não se sente realizado.
Charlotte Wells revisita essas memórias com a mesma idade que seu pai tinha na época, oferecendo uma perspectiva madura e empática. A narrativa desconstrói o mito da infalibilidade parental, expondo a vulnerabilidade de um jovem adulto ainda em busca de respostas enquanto tenta ser um exemplo para a filha. A percepção de que pais também são humanos, sujeitos a erros e incertezas, é um dos pilares emocionais do filme.
Na vida real, o pai de Charlotte faleceu aos 39 anos, vítima de uma depressão severa. “Aftersun” transcende o papel de um tributo pessoal; é uma tentativa de compreender o homem por trás da figura paterna, uma jornada dolorosa e, ao mesmo tempo, repleta de afeto. Wells entrega ao público uma obra que não apenas toca, mas desafia o espectador a refletir sobre as complexidades das relações humanas e os silêncios que moldam nossas histórias.
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