Histórias protagonizadas por mulheres encantadoras que ocultam naturezas letais sempre atraem o público, seja pela sedução de suas aparências impecáveis ou pela intensidade de seus dilemas internos. No entanto, a linha entre a criação de uma narrativa fascinante e a queda em excessos megalomaníacos é tênue. “Anna — O Perigo Tem Nome” encontra esse equilíbrio com precisão quase cirúrgica, consolidando a assinatura peculiar de Luc Besson. Ele manipula o espectador, guiando-o por caminhos ilusórios, enquanto tece um enredo astuto e multifacetado, que desafia tanto os clichês quanto as expectativas.
Luc Besson, mestre em construir anti-heroínas complexas, molda Anna Poliatova a partir de fragmentos de suas personagens anteriores. Em Anna, há ecos de Lucy, a impiedosa justiceira bioquímica de “Lucy” (2014), e da vulnerabilidade corajosa de Mathilda, a jovem órfã de “O Profissional” (1994). Contudo, Anna transcende suas predecessoras, emergindo como uma criação autônoma, poderosa e singular.
O filme abre suas cortinas nas vibrantes ruas de Moscou, onde Anna, aparentemente apenas mais uma jovem em busca de um futuro, vende matrioscas, bonecas que, como ela, revelam camadas inesperadas. Besson utiliza essa metáfora para preparar o público: Anna é mais do que aparenta ser. Descoberta por um olheiro de uma prestigiada agência de modelos francesa, ela aceita hesitante o convite, apesar de ser estudante de biologia na Universidade Estatal.
Aqui começa sua transformação: de uma universitária comum à figura central em um mundo glamoroso e perigoso. As cenas iniciais mostram Anna transitando pelo universo da moda em Paris, contrastando a efervescência do ambiente com sua verdadeira missão. Desde a agitação do apartamento compartilhado no 7º arrondissement até seu primeiro ensaio ao som de “Pump Up the Jam”, a transição para uma pistoleira de aluguel é cuidadosamente conduzida. Sua primeira vítima: um magnata russo, mascarado como traficante de armas financiado pela CIA.
A narrativa recorre a um longo flashback que revela os eventos que a levaram a essa posição. Envolvida com um namorado abusivo e enredada em um esquema de extorsão, Anna quase acaba na prisão. Contudo, Alex, agente da KGB interpretado por Luke Evans, descobre seu passado militar e seu talento excepcional para o xadrez e citações literárias, especialmente Dostoiévski. A relação entre Anna e Alex é intensa, ainda que mais apaixonada da parte dele. Essa dinâmica pessoal se torna a ponte para sua inserção na elite da espionagem, sob a supervisão de Olga, uma poderosa diretora do Comitê de Segurança do Estado.
A presença de Helen Mirren como Olga é um ponto alto, introduzindo uma nova dimensão à trama. Olga é uma figura enigmática, exalando autoridade e complexidade moral, conduzindo o filme para uma esfera policial irresistível. A cena em que ela, com as imagens de Lênin e Trotsky ao fundo, apaga os registros de Anna, cumpre uma promessa inesperada, marcando o triunfo de uma filha simbólica sobre um sistema que ela desafiou.
“Anna — O Perigo Tem Nome” é uma obra que combina ação, espionagem e uma análise intrincada de personagens. Luc Besson cria um espetáculo visual e emocional que mantém o público cativo até o último instante, provando que mesmo as serpentes mais velhas sabem quando é hora de ceder. Anna não é apenas uma personagem; ela é um símbolo de resiliência, metamorfose e, acima de tudo, a imprevisibilidade da natureza humana.
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