A Guerra Fria (1947-1991) continua inspirando narrativas repletas de suspense, com tramas que exploram as tensões latentes entre os Estados Unidos e a União Soviética. Esse período histórico, marcado por uma disputa de hegemonia ideológica, viu a propaganda soviética elevar o socialismo ao patamar de solução utópica para uma humanidade mais justa. No entanto, a realidade era bem diferente: as elites soviéticas, longe de compartilhar os ideais de Marx e Engels, usufruíam das benesses capitalistas enquanto negavam até mesmo os direitos básicos ao cidadão comum, sem sequer tentar ocultar o contraste.
No filme “Salt”, dirigido por Phillip Noyce, uma espiã se encontra em um dilema moral e político, transitando entre dois mundos antagônicos: a austeridade do renascido czarismo russo e o capitalismo libertino e oportunista dos Estados Unidos. Evelyn Salt, interpretada por Angelina Jolie, personifica essa tensão: uma figura ambígua que desperta tanto o interesse quanto a ira de serviços secretos ao redor do globo. Enquanto alguns tentam recrutá-la, outros se dedicam a eliminá-la, temendo seu impressionante potencial destrutivo. Entre fugas mirabolantes e embates de tirar o fôlego, Salt sobrevive por um fio, revelando camadas de uma personagem cuja solidão e determinação desafiam expectativas. O roteiro de Kurt Wimmer, longe de se limitar à ação, humaniza essa mulher que poderia ter escolhido uma vida pacata, mas que opta por enfrentar desafios monumentais em nome de suas convicções.
Desde o prólogo, o filme não dá trégua. Salt, agente da CIA, é apresentada como prisioneira na Coreia do Norte, onde sofre torturas brutais em uma cela úmida e sombria. No entanto, em um movimento inesperado, Kim Jong-il ordena sua libertação. O evento, embora não explicado de imediato, deixa Salt intrigada, especialmente ao saber que o governo dos EUA mobilizou vastos recursos para garantir sua soltura. Esse início marcante estabelece o tom do filme, combinando tensão política e ação desenfreada.
Na fronteira entre as Coreias, Salt é recebida pelo marido, Mike Krause, um biólogo alemão naturalizado americano interpretado por August Diehl. Essa breve reunião serve como uma pausa na narrativa acelerada, oferecendo vislumbres de sua história pessoal. Em um flashback, vemos o casal em um momento de intimidade quase clandestina, sugerindo que ambos sabiam dos perigos iminentes. Contudo, a calmaria logo dá lugar ao caos quando Salt é recrutada por Oleg Vassilyevich Orlov, um dos mais temidos criminosos da oligarquia russa. Esse encontro fatídico transforma sua vida para sempre.
O papel de Orlov, vivido por Daniel Olbrychski, funciona como catalisador para os conflitos que seguem. A partir desse ponto, Salt é perseguida não apenas por agentes estrangeiros, mas também por seus próprios colegas da CIA, incluindo Ted Winter, interpretado magistralmente por Liev Schreiber. A relação entre Salt e Winter é um dos pontos altos do filme, marcada por confrontos intensos e imprevisíveis. Winter emerge como o antagonista perfeito, sua determinação implacável rivalizando com a resiliência da protagonista.
O segundo ato é dominado por sequências de ação impressionantes, que culminam em duelos psicológicos e físicos entre Salt e seus adversários. A personagem, constantemente desafiada a provar sua lealdade ou desvendar conspirações, mantém o público em suspense, enquanto o roteiro entrelaça temas de traição, sacrifício e identidade.
“Salt” não se contenta em ser apenas um filme de ação; ele explora questões profundas sobre a natureza da lealdade e o preço das escolhas individuais em um mundo governado por jogos de poder. Phillip Noyce entrega um thriller explosivo, mas também reflexivo, onde cada cena contribui para um retrato multifacetado de uma mulher que se recusa a ser definida pelos papéis que outros lhe impõem.
★★★★★★★★★★