Filme sueco visto por 50 milhões de espectadores e que emplacou 55 dias no Top 10 mundial, está na Netflix Divulgação / SF Studios Production

Filme sueco visto por 50 milhões de espectadores e que emplacou 55 dias no Top 10 mundial, está na Netflix

Richard Holm, ao entregar “O Abismo”, desafia o público com um espetáculo raro na cinematografia sueca. De um país mais conhecido por suas narrativas intimistas e introspectivas, surge o primeiro filme-catástrofe em grande escala, uma obra que equilibra audácia narrativa e reflexões profundas sobre a imprevisibilidade da natureza. A trama se desenrola em Kiruna, uma cidadezinha do extremo norte da Suécia, ameaçada por um cataclismo que emerge das profundezas da terra. O pano de fundo desse desastre é um alerta: o preço da negligência ambiental recai sobre todos, independentemente de nossas posturas individuais.  

A paisagem desoladora da Suécia e de Tampere, na Finlândia, adquire uma dimensão quase poética graças à fotografia de Anssi Leino. Os tons monocromáticos em branco e cinza não só capturam a beleza gélida das regiões, mas também reforçam a mensagem de que a natureza não negocia — ela impõe, com severidade e imparcialidade, suas próprias regras. Holm, já conhecido por suas contribuições nas séries “Gåsmamman” e “Maskineriet”, apresenta aqui uma evolução na forma de conduzir o suspense e a tensão, oferecendo uma narrativa que, apesar de seu caos inerente, mantém o espectador em permanente estado de alerta.  

A história é conduzida por Frigga, interpretada com intensidade por Tuva Novotny. Gerente de segurança da mina Kiirunavaara, Frigga não apenas enfrenta o colapso iminente da cidade, mas também seus próprios dilemas pessoais. Dividida entre seu ex-marido, Tage (Peter Franzén), e seu atual parceiro, Dabir (Kardo Razzazi), ela se vê presa entre conflitos emocionais e uma luta pela sobrevivência coletiva. Novotny encarna uma personagem cujas camadas emocionais são tão profundas quanto a ameaça que emerge do subsolo. Suas crises existenciais ressoam de forma visceral, tornando impossível para o público permanecer indiferente, mesmo quando sua atuação se aproxima do melodrama.  

Holm e seus corroteiristas, Robin Sherlock Holm e Nicola Sinclair, optam por um roteiro que desafia convenções. Frigga não é uma heroína idealizada, mas uma figura complexa que carrega a responsabilidade de salvar uma população descrente e temerosa. A narrativa, ancorada em uma corrida contra o tempo, mantém uma cadência frenética, refletindo o desespero de uma comunidade à beira do colapso.  

Ao longo do filme, emerge uma reflexão perturbadora: a vida é uma sucessão de desafios cuja superação constante nos redefine. O desastre iminente em Kiruna evoca um trauma histórico real vivido pela Suécia em 1961, quando Dalarna enfrentou uma catástrofe semelhante. Agora, sessenta anos depois, o fantasma desse passado retorna, expondo a vulnerabilidade humana diante das forças da natureza.  

“O Abismo” não é apenas um exercício de entretenimento; é uma advertência. O filme nos lembra que o desconhecido está sempre à espreita, pronto para obliterar nossas certezas e testar nossa resiliência. Holm, ao utilizar uma narrativa de desastre para explorar as fragilidades humanas, eleva o gênero, transformando uma ameaça geológica em uma metáfora para a própria condição humana. 

O resultado é uma obra que mescla grandiosidade visual e introspecção emocional, reafirmando o cinema sueco como um espaço fértil para experimentação e profundidade. “O Abismo” pode não ser a obra que Ingmar Bergman teria dirigido, mas certamente é aquela que desperta o público para as complexas relações entre humanidade e natureza — e, talvez, para o abismo que há em cada um de nós.

Filme: O Abismo
Diretor: Richard Holm
Ano: 2023
Gênero: Ação/Thriller
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★