Romance visto por 52 milhões de assinantes, deixou pessoas obcecadas e está na Netflix Loris T. Zambelli / Netflix

Romance visto por 52 milhões de assinantes, deixou pessoas obcecadas e está na Netflix

Erin Doom, em seu best-seller “O Fabricante de Lágrimas” (2021), projeta um futuro sombrio em que o sofrimento é tão abundante e o senso de humanidade tão rarefeito que ninguém mais é capaz de chorar. Nessa distopia emocional, cabe ao misterioso artesão do título esculpir lágrimas em cristal, uma tentativa desesperada de devolver à sociedade o que ela perdeu: a capacidade de sentir profundamente.

Alessandro Genovesi, na adaptação cinematográfica, captura com precisão o equilíbrio delicado entre o fantástico e o cotidiano, transportando para a tela a complexa relação entre duas crianças órfãs marcadas por tragédias pessoais. O orfanato Grave, onde crescem Rigel e Nica, é mais do que cenário; torna-se um microcosmo de suas dores, esperanças e descobertas. A inocência infantil que Erin Doom exalta nos livros ganha um toque de melancolia no filme, com diálogos que flertam com o sentimentalismo, mas que, nas mãos de Genovesi, se transformam em cenas de impacto emocional genuíno. O tom alterna entre a tristeza e a luminosidade, refletindo o turbilhão de sentimentos dos jovens protagonistas enquanto se encontram e se perdem no labirinto de suas próprias emoções.

A infância é aqui retratada como uma batalha silenciosa, onde cada descoberta traz consigo uma carga emocional avassaladora. As pequenas vitórias parecem efêmeras, e as derrotas, esmagadoras. No entanto, são esses momentos de vulnerabilidade que moldam o caráter. A jornada de Rigel e Nica é, sobretudo, uma luta pela sobrevivência emocional. No ambiente árido e isolado do orfanato, cada nova dor os empurra para um estado de autodescoberta e resistência, onde a fé e a esperança se tornam forças essenciais, mesmo que muitas vezes insuficientes.

Após uma década de convivência em Grave, o inevitável acontece: Rigel e Nica reconhecem a profundidade do amor que sentem um pelo outro, um sentimento que floresce em meio às ruínas emocionais que os cercam. Embora a atração tenha nascido há muito tempo, é a maturidade forçada pelas circunstâncias que os leva a encarar a verdade de seus sentimentos. Genovesi mantém o público em constante apreensão, explorando as memórias tumultuadas de ambos, revelando desejos reprimidos e a dor de um amor que, se tivesse brotado em outras circunstâncias, poderia ter sido vivido livremente.

A narrativa toma um rumo mais doloroso quando Nica é adotada por uma família que também carrega suas próprias perdas. O reencontro com Rigel, tocando piano no saguão da antiga casa onde cresceram, reabre feridas nunca cicatrizadas. A música, neste ponto, se torna uma ponte emocional, unindo passado e presente, dor e esperança. É nesse instante que o filme alcança seu ápice emocional, deixando evidente que, apesar das adversidades, a conexão entre Rigel e Nica é inquebrável.

Simone Baldasseroni, conhecido como o rapper Biondo, e Caterina Ferioli, interpretam com intensidade esses personagens atormentados. Ambos entregam performances que traduzem a profundidade de suas dores e a busca por serenidade. Contudo, a transição da narrativa literária para a cinematográfica não é perfeita. O poder da imaginação que permeia as páginas dos romances de Doom muitas vezes se perde na tela, deixando uma lacuna que nem o mais refinado dos roteiros consegue preencher completamente.

Ainda assim, “O Fabricante de Lágrimas” transcende o mero entretenimento. Ele provoca reflexões sobre a resiliência humana e a capacidade de superação em meio à dor. Genovesi nos conduz por essa jornada com delicadeza e precisão, transformando cada lágrima  — real ou esculpida — em uma obra de arte emocional, mostrando que, mesmo quando a humanidade parece ter perdido sua essência, há sempre esperança no que resta de nossos sentimentos mais puros.

Filme: O Fabricante de Lágrimas
Diretor: Alessandro Genovesi
Ano: 2024
Gênero: Drama/Romance
Avaliaçao: 6/10 1 1
★★★★★★★★★★