A criação de assassinos em série é um fenômeno que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo, mas os Estados Unidos se destacam tanto pela frequência quanto pela notoriedade desses casos. Esse cenário não é aleatório, mas um reflexo direto de uma sociedade marcada por fatores que favorecem o surgimento desse perfil. A cultura armamentista, a segregação racial e social, e a normalização da violência — sejam essas formas explícitas ou sutis — criam um ambiente onde preconceitos como racismo, misoginia e homofobia prosperam. Somam-se a isso o bullying generalizado e o desamparo de comunidades inteiras, perpetuando um ciclo de agressões que se reflete em todos os estratos sociais.
Embora a violência policial nos EUA não atinja os mesmos níveis alarmantes vistos em países como o Brasil, ela ainda contribui para agravar o sentimento de insegurança e exclusão. Adicione a isso o abandono das classes mais vulneráveis e uma cultura que pressiona indivíduos a alcançar o inalcançável “American Way of Life”. Famílias em situação de pobreza extrema, frequentemente lidando com violência doméstica, alcoolismo e dependência de drogas, acabam caindo nas brechas de um sistema que promete muito, mas entrega pouco. Nesse contexto, surgem histórias como a de Finney Shaw, protagonista de “O Telefone Preto”.
Finney, um garoto de 13 anos, vive na periferia de Denver, nos anos 1970. Sua realidade é dura: órfão de mãe, com um pai alcoólatra e abusivo, ele divide uma casa simples com sua irmã Gwen, que possui habilidades sensoriais incomuns. Além dos problemas em casa, Finney enfrenta o constante assédio dos valentões da escola, tornando-se alvo frequente de agressões físicas. A chegada de Robin, um colega de classe que não hesita em confrontar os agressores, traz um breve alívio. Robin não apenas defende Finney, mas também enfrenta os próprios bullies com coragem e força.
Entretanto, a violência cotidiana é apenas a superfície de um perigo ainda maior: a presença de um assassino em série conhecido como “O Sequestrador”. Esse criminoso misterioso aterroriza a comunidade ao raptar meninos da idade de Finney, deixando como única pista um balão preto no local do desaparecimento. Nenhuma das vítimas é jamais encontrada. Quando Robin e, posteriormente, Finney são capturados, o garoto encontra-se trancado em um porão sombrio, onde as únicas companhias são um colchão velho e um telefone preto na parede, supostamente inutilizado.
No entanto, o telefone se torna uma ferramenta surpreendente. Finney começa a receber ligações sobrenaturais das vítimas anteriores de “O Sequestrador”. Esses garotos mortos compartilham estratégias e pistas para ajudá-lo a escapar. Enquanto isso, Gwen, utilizando suas habilidades sensitivas, tem visões que podem fornecer à polícia as informações necessárias para localizar seu irmão.
Baseado no conto homônimo de Joe Hill, filho de Stephen King, “O Telefone Preto” explora o terror humano sob uma perspectiva crua e reflexiva. Assim como as obras de King, a narrativa destaca que os verdadeiros monstros não são forças sobrenaturais, mas os próprios seres humanos. O filme, dirigido por Scott Derrickson, não se limita a provocar sustos. Ele convida o espectador a refletir sobre temas profundos, como violência doméstica, abuso infantil, traumas psicológicos e o desprezo generalizado pelas vozes das crianças, que muitas vezes permanecem invisíveis e desacreditadas.
Inspirado por suas próprias experiências de infância, Derrickson confere ao filme uma autenticidade emocional rara. As camadas de significado elevam a obra muito além do suspense convencional, transformando-a em uma análise visceral dos horrores da realidade. Ethan Hawke, no papel do enigmático “Sequestrador”, entrega uma atuação marcante, aterrorizando com sua presença silenciosa e perturbadora.
Com avaliações de 6,9 no IMDb, 88% de aprovação do público no Rotten Tomatoes e 81% de aprovação da crítica especializada — “O Telefone Preto” se consagra como um dos melhores filmes de suspense da última década. Sua narrativa envolvente e performances de alto nível justificam plenamente a atenção de qualquer fã do gênero.
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