A proliferação de assassinos em série nos Estados Unidos é frequentemente associada a características sociais profundamente enraizadas. A cultura armamentista, a segregação racial e econômica, além de ideologias excludentes como racismo, misoginia e homofobia, criam um ambiente que normaliza a violência. As consequências desse quadro não se restringem às manchetes sobre crimes, mas se manifestam também no cotidiano das pessoas comuns, alimentando um ciclo de exclusão e brutalidade.
Entrelaçando esses elementos, “O Telefone Preto” nos apresenta Finney Shaw, um menino de 13 anos, vivendo em Denver nos anos 1970. Finney carrega o peso de uma vida marcada por perdas e abusos: sua mãe faleceu, seu pai é alcoólatra e agressivo, e a situação financeira da família é precária. Em meio à dor, ele também enfrenta a violência escolar, alvo constante dos valentões. Essa carga emocional cria uma atmosfera que vai além do terror comum: é uma representação de sobrevivência em um mundo indiferente ao sofrimento infantil.
A amizade de Finney com Robin, um colega corajoso que não teme os agressores da escola, traz um breve alívio ao garoto. Porém, essa segurança é abalada quando Robin desaparece, vítima de um assassino em série conhecido como ‘O Sequestrador’. Este criminoso, cuja assinatura macabra envolve deixar balões pretos no local dos sequestros, aterroriza a comunidade ao capturar meninos sem deixar rastros.
A narrativa ganha um tom sombrio quando Finney também é raptado e levado para um porão sinistro, onde apenas um telefone preto, aparentemente desconectado, está preso à parede. No entanto, esse objeto revela um papel crucial: as vozes das vítimas anteriores começam a guiar Finney, oferecendo estratégias para escapar. Paralelamente, Gwen, sua irmã sensitiva, vivencia visões que podem ser a chave para localizar o irmão, desafiando o ceticismo das autoridades.
Baseado no conto de Joe Hill, filho de Stephen King, o filme reflete sobre monstros reais: seres humanos cruéis, não entidades sobrenaturais. Scott Derrickson, diretor e co-roteirista, utiliza suas próprias experiências de infância para construir uma narrativa rica em camadas. O filme não busca assustar com sustos fáceis, mas provocar reflexões profundas sobre violência doméstica, abuso infantil e o abandono das crianças em contextos de trauma.
O desempenho de Ethan Hawke como ‘O Sequestrador’ é perturbadoramente eficaz, mesmo com diálogos limitados. Sua presença em cena é imponente, capaz de transmitir terror com sutileza. A atmosfera criada é densa, mas não sem propósito. Cada elemento é cuidadosamente posicionado para realçar o peso emocional da trama.
Com uma nota de 7,1 no IMDb, 88% de aprovação do público no Rotten Tomatoes e 83% da crítica especializada, “O Telefone Preto” se destaca como um dos melhores suspenses contemporâneos. Não é apenas um filme de terror, mas um retrato nuançado de uma sociedade que frequentemente ignora suas crianças mais vulneráveis, transformando-as em vítimas silenciosas de um sistema que falha em protegê-las. Esse é um filme que merece atenção não apenas pelo entretenimento, mas pelas discussões sociais que provoca, tornando-se uma experiência cinematográfica que ressoa muito além da tela.
★★★★★★★★★★