A vida é como um oceano revolto, e a travessia que realizamos, a bordo de uma embarcação frágil e cheia de incertezas, é suavizada apenas pela arte, que empresta cores e formas à nossa jornada. A existência humana é uma dança entre o inesperado e o desejado, onde prazeres e contratempos se entrelaçam de maneira imprevisível. Apesar da consciência dos desafios que nos esperam, seguimos nutrindo a esperança de que o acaso nos presenteie com momentos doces. Contudo, poucos venenos corroem mais profundamente o espírito humano do que o sentimento de fracasso. Sem preparação ou garantias, somos arremessados à aventura da vida, repletos de perguntas sem respostas, dilemas pessoais e incertezas sobre nosso propósito. Esse conjunto de inquietações não apenas define nossa espécie, mas também a marca com uma certa melancolia: a necessidade de validação externa transforma o ato de existir em uma tragédia singularmente humana.
Filmes que situam o ser humano em cenários desafiadores, seja no céu ou nas profundezas do mar, capturam com intensidade nossa fragilidade diante das forças da natureza. Mas esse desconforto é também um reflexo de nossa obstinação em dominar o mundo ao nosso redor, um desejo que frequentemente nos coloca em rota de colisão com os limites impostos pela própria existência. Desde a obra-prima de Serguei Eisenstein, “O Encouraçado Potemkin” (1925), que funde arte cinematográfica e contestação social, até produções contemporâneas, o cinema explora a saga de homens que enfrentam o desconhecido movidos por ideais — proteger sua pátria, expandir o conhecimento científico, prevenir conflitos ou até mesmo iniciá-los. Em “Alerta Lobo” (2019), a crítica às dinâmicas internas do poder militar e às complexas relações entre seus integrantes é sutil, mas impactante, revelando o desgaste emocional dos soldados e as pressões decorrentes do rígido sistema hierárquico.
Historicamente dominado pelo cinema americano, o gênero que aborda as relações humanas em contextos extremos vem se diversificando, com cineastas de diferentes países oferecendo novas perspectivas. O diretor francês Antonin Baudry traz à tona, com “Alerta Lobo”, o cotidiano angustiante de um técnico de sonar submarino, revelando os dilemas e tensões de quem vive a quilômetros abaixo da superfície. Baudry, consciente de que o público talvez não fosse atraído de imediato por esse tema, constrói uma narrativa que desafia clichês e captura o espectador com um enredo ágil e um protagonista carismático. A trama ganha força ao equilibrar sequências de ação intensas com momentos introspectivos, explorando a dimensão humana do conflito.
Com um orçamento considerável para o cinema francês — US$ 23 milhões — e um elenco impecável, o filme inicia exaltando os esforços do capitão Grandchamp (Reda Kateb) e do imediato D’Orsi (Omar Sy) em resgatar uma equipe perdida na costa da Síria. A operação é um jogo de estratégia e precisão, onde cada movimento precisa escapar da vigilância dos destacamentos inimigos e de um bombardeiro iraniano. Nesse cenário de alta tensão, Chanteraide, técnico com a habilidade singular do “ouvido absoluto”, desempenha um papel crucial. Sua capacidade de identificar sons submersos é decisiva tanto para proteger sua tripulação quanto para potencializar ataques, tudo sem ser detectado. François Civil entrega uma performance multifacetada, revelando gradualmente as complexidades de seu personagem, que se desdobram também através de seu envolvimento romântico com Diane (Paula Beer). Esse romance, embora breve e um tanto forçado, adiciona uma dimensão emocional à narrativa, aprofundando a caracterização de Chanteraide.
Na segunda metade do filme, a história mergulha em uma sucessão frenética de eventos, com a ameaça de uma guerra nuclear pairando sobre os personagens. Baudry, valendo-se de sua experiência como engenheiro e diplomata, explora com autenticidade os dilemas éticos e operacionais enfrentados pelos militares. A tensão é exacerbada pela claustrofobia de homens confinados em um submarino, onde cada decisão pode ter consequências catastróficas. Chanteraide, dividido entre sua genialidade inata e as demandas da hierarquia militar, emerge como o coração do filme, trazendo profundidade ao drama de consciência que o permeia. No clímax, “Alerta Lobo” transcende o conflito subaquático e sugere um anseio mais profundo por liberdade — não apenas física, mas espiritual. É essa busca que transforma o filme em um relato poderoso sobre as contradições da condição humana, culminando em um desfecho que celebra a resiliência e a coragem de desafiar os próprios limites.
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