Poucos nomes na história do cinema carregam o peso criativo e visionário de Martin Scorsese. Com uma filmografia repleta de clássicos atemporais, o diretor de obras icônicas como “Touro Indomável” e “Os Bons Companheiros” possui um currículo invejável, incluindo uma estatueta do Oscar por “Os Infiltrados”. Ainda assim, “Taxi Driver” emerge como uma de suas criações mais emblemáticas. Apesar de não ter conquistado prêmios na cerimônia da Academia, onde foi indicado em quatro categorias, o longa consolidou-se como um dos filmes mais aclamados e analisados de todos os tempos.
Contudo, a grandeza de “Taxi Driver” não impediu que fosse alvo de controvérsias intensas. O roteiro, assinado por Paul Schrader, encontra inspiração nos trágicos assassinatos de líderes históricos como John e Robert Kennedy, Malcolm X e Martin Luther King. Ao mesmo tempo, a obra também influenciou acontecimentos perturbadores no mundo real, como a tentativa de assassinato do presidente Ronald Reagan. As críticas, que acusavam o filme de glorificar comportamentos violentos, adicionaram uma camada de polêmica ao seu legado.
Ambientado em uma Nova York decadente e imersa no caos social, o enredo explora uma cidade sufocada por criminalidade, pobreza e marginalização. O protagonista, Travis Bickle (interpretado por Robert De Niro), é um veterano da Guerra do Vietnã que, assombrado pelo estresse pós-traumático e insônia crônica, passa as noites dirigindo seu táxi pelas ruas do Harlem e do Brooklyn.
Bickle, um personagem profundamente perturbado, combina traços de esquizofrenia, misoginia, narcisismo e ressentimento racial. Sua tentativa de aproximação com Betsy (Cybill Shepherd), uma funcionária da campanha presidencial de Charles Palantine (Leonard Harris), resulta em fiasco. Ao convidá-la para um cinema de filmes adultos em seu primeiro encontro, Travis revela sua incapacidade de se conectar socialmente, transformando o encontro em mais uma prova de sua alienação.
Em contrapartida, o encontro com Iris (Jodie Foster), uma jovem prostituta manipulada por seu cafetão, Sport (Harvey Keitel), acende em Travis uma obsessão por “salvá-la”. O gesto, que inicialmente parece altruísta, logo se mistura a sua visão distorcida de justiça e sua crescente paranoia.
Enquanto navega pelas ruas sombrias da cidade, Travis mergulha em um ciclo de solidão, desprezo pela sociedade e ódio. Sua mente perturbada rapidamente se torna um terreno fértil para ideias violentas e delírios de heroísmo. Ele inicia um rigoroso treinamento físico e planeja assassinar Palantine, acreditando ser essa a forma de livrar Nova York do que ele considera sua “escória”.
A complexidade de Travis Bickle é o que torna o personagem tão fascinante e inquietante. Ele é o reflexo de uma humanidade que, à primeira vista, parece comum, mas carrega impulsos obscuros. Inspirado tanto no atirador Arthur Bremer, responsável pelo atentado contra George Wallace, quanto no próprio estado emocional de Paul Schrader, o personagem personifica o desespero e a desilusão. No período em que escreveu o roteiro, Schrader enfrentava insônia, morava em seu carro após o término de um casamento e experimentava um colapso nervoso. A canalização de sua angústia em arte deu origem a um dos maiores roteiros da história do cinema.
Visualmente, “Taxi Driver” é uma obra-prima do neo-noir, com uma atmosfera construída pela fotografia sombria e pela trilha sonora de Bernard Herrmann. A música, que acompanha a degradação mental de Travis, reforça a tensão iminente, como se cada cena anunciasse um desastre prestes a acontecer. Curiosamente, Herrmann hesitou em aceitar o projeto, inicialmente considerando-o um filme de ação genérico. No entanto, ao compreender a profundidade do protagonista, mudou de ideia e entregou uma de suas últimas e mais memoráveis contribuições ao cinema.
Além disso, o realismo do cenário de Nova York é intensificado por um detalhe inusitado: a greve dos lixeiros durante as filmagens. A cidade aparece suja e caótica, alinhando-se perfeitamente com o estado psicológico de Travis e a decadência social que o filme retrata.
Outro aspecto fascinante da produção está no desempenho de Robert De Niro. Antes do início das gravações, De Niro ainda era um nome relativamente desconhecido, tendo recebido apenas 35 mil dólares como cachê. No entanto, ele já havia conquistado um Oscar por “O Poderoso Chefão – Parte 2”, o que valorizou sua imagem. Mesmo assim, cumpriu o contrato original e protagonizou uma das cenas mais memoráveis da história do cinema. A sequência do espelho, onde improvisa a icônica frase “Você está falando comigo?”, transcendeu o filme e tornou-se um marco da cultura pop.
“Taxi Driver” não é apenas um filme; é um estudo psicológico, uma crítica social e um testemunho da genialidade de Scorsese e de todos os envolvidos. Com uma narrativa única e elementos estéticos que dialogam com a complexidade humana, este clássico é indispensável para qualquer amante da sétima arte.
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