100 dias no Top 10 mundial da Netflix: o filme que ninguém conseguiu parar de ver em 2024 Divulgação / Netflix

100 dias no Top 10 mundial da Netflix: o filme que ninguém conseguiu parar de ver em 2024

Kevin Hart consolidou sua presença como uma das figuras centrais no universo da Netflix, ocupando um lugar de destaque com produções recorrentes e contratos que permitem múltiplos projetos anuais. Essa estratégia, embora vantajosa para a plataforma e o comediante, levanta questões sobre a saturação do formato e a repetição de fórmulas narrativas. O ator, conhecido por seu humor expansivo, divide opiniões entre surpreender com seu talento e correr o risco de cair em zonas de conforto criativas.

Dentre os exemplos de seu portfólio na gigante do streaming, destacam-se “O Homem de Toronto” (2022), dirigido por Patrick Hughes, e “De Férias da Família” (2022), de John Hamburg. Apesar do sucesso inicial, ambos os filmes compartilham uma estrutura narrativa e estética tão semelhante que, para parte do público, a fórmula começa a perder frescor. A similaridade, perceptível em diálogos e enquadramentos, ameaça transformar essas produções em peças intercambiáveis. No entanto, “Lift: Roubo nas Alturas”, sob a direção experiente de F. Gary Gray, apresenta uma abordagem renovada. Aqui, Hart adota uma performance mais contida, revelando um lado inesperado de sua versatilidade cômica.

O enredo traz Cyrus, um estrategista astuto e líder de uma rede de criminosos globais, enfrentando um dos maiores desafios de sua carreira ilícita. A trama, escrita por Daniel Kunka, inicia em Veneza, um cenário que confere à narrativa um charme cosmopolita. Em uma das cenas de abertura, Kevin Hart aparece num leilão de arte contemporânea, onde está em destaque “O Prelúdio”, obra fictícia do renomado Kehinde Wiley, artista real que mescla influências clássicas e contemporâneas. Essa introdução tece, ainda que indiretamente, uma crítica ácida ao mercado de arte moderna, satirizando a supervalorização de peças muitas vezes destituídas de impacto estético duradouro.

Cyrus, sob o pseudônimo sugestivo de John Bratby, se mantém sob vigilância da investigadora Abby, cuja inteligência e determinação moldam a dinâmica do filme. Interpretada por Gugu Mbatha-Raw, Abby é peça-chave na narrativa, protagonizando momentos decisivos ao lado de Hart. Entre os dois, surge um romance improvável que, longe de ser convencional, adiciona complexidade e humaniza os personagens.

A ação atinge seu clímax com o ousado plano de roubar meio bilhão de dólares em barras de ouro a bordo de uma aeronave da Sky Suisse, em pleno voo a 40 mil pés. Gray conduz essa sequência com precisão e ritmo, mantendo o espectador em suspense. A operação, que envolve infiltrações no sistema de controle aéreo, conta com a colaboração de Harry, um funcionário de aeroporto vivido por David Proud. Em uma cena marcante, Proud — que é paraplégico também na vida real — utiliza de forma crítica questões de capacitismo para ganhar tempo, subvertendo expectativas de forma criativa e politicamente provocadora.

A trama se desenrola com reviravoltas que desafiam previsibilidades, culminando em um final onde os papéis de mocinhos e vilões se embaralham. O desfecho não apenas surpreende, mas reforça a capacidade de “Lift” em equilibrar ação, humor e reflexões sutis sobre temas sociais, elevando o filme acima da média dos blockbusters de ação.

Se Kevin Hart continuará a surpreender ou se manterá preso a uma zona de conforto cômica, o tempo dirá. Mas, por ora, “Lift” representa um passo na direção certa — um esforço para redefinir sua marca no gênero, entregando ao público uma experiência que, se não revolucionária, certamente é memorável.

Filme: Lift: Roubo nas Alturas
Diretor: F. Gary Gray
Ano: 2024
Gênero: Ação/Comédia
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★