Após quase uma década sem lançar um filme, Wong Ching-Po, diretor de Hong Kong, ressurge com “Os Três Males”, uma produção taiwanesa que mistura ação brutal e uma narrativa emocionalmente densa. Inspirado em uma fábula chinesa, o longa vai além dos estereótipos do gênero de gângsteres, explorando temas como redenção e o impacto de um legado. Desta vez, Wong abre mão do uso excessivo de câmera lenta, característico de seus trabalhos anteriores, para apostar em uma direção mais direta e dinâmica, capturando a atenção do público com precisão e intensidade.
A trama acompanha Chen Kui-lin, um assassino procurado interpretado com intensidade por Ethan Juan. Kui-lin ocupa o terceiro lugar na lista dos fugitivos mais perigosos de Taiwan, mas sua vida dá uma guinada ao descobrir que tem câncer de pulmão em estágio terminal. Inicialmente resignado a se entregar, ele se vê indignado ao ser tratado como um criminoso qualquer na delegacia, o que desperta nele um desejo incontrolável de deixar uma marca no mundo. Para isso, Kui-lin decide eliminar os dois criminosos que estão acima dele na lista: Hongkie, um líder de gangue brutal vivido por Ben Yuen, e Lin Lu-ho, um manipulador carismático interpretado por Chen Yi-wen.
A violência explícita permeia cada momento de “Os Três Males”, com cenas que impactam pela visceralidade. Corpos despencam de alturas, ossos se quebram em ângulos desconfortáveis e sangue escorre em cenas que testam os nervos do público. Hongkie, cuja violência extrapola o físico e atinge o psicológico ao abusar de Cheng Hsiao-mei (interpretada com sensibilidade por Gingle Wang), traz à tela uma força destrutiva que contrasta com a manipulação sutil de Lin Lu-ho. Wong demonstra sua maestria ao equilibrar tensão e alívio cômico em momentos como o uso do reflexo de um espelho para revelar uma arma escondida, subvertendo as expectativas do espectador.
O ponto de virada da narrativa ocorre quando Kui-lin chega a uma igreja liderada por um culto, onde descobre que Lin Lu-ho já está morto. Essa revelação não apenas altera o curso da história, mas também mergulha o protagonista em uma jornada de introspecção. Wong utiliza essa mudança para brincar com a perspectiva do público, entregando pistas sobre o desfecho enquanto mantém o mistério ao redor dos próximos passos de Kui-lin. Embora algumas decisões narrativas, como a resistência física do protagonista mesmo após ferimentos graves, desafiem a lógica, elas não diminuem o impacto emocional da trama.
Nos momentos finais, “Os Três Males” se transforma em uma mistura de tragédia e catarse. O clímax, um tiroteio intenso e visualmente impressionante, é seguido por um desfecho que combina brutalidade e emoção de forma poderosa. As interações finais entre Kui-lin e seus adversários revelam camadas de humanidade inesperadas, deixando o espectador com uma sensação de encerramento agridoce.
Com “Os Três Males”, Wong Ching-Po entrega um trabalho que não apenas reflete sua maturidade como cineasta, mas também estabelece novos padrões para o gênero. Enquanto a primeira metade do filme ressoa com a tensão característica dos thrillers coreanos, a segunda metade evoca o surrealismo e a profundidade emocional de Sion Sono. Entre reviravoltas, cenas de violência gráfica e momentos de introspecção, o longa se consolida como uma experiência memorável. Wong apresenta um thriller que desafia convenções e convida o espectador a mergulhar tanto na brutalidade quanto na poesia de sua narrativa visceral.
★★★★★★★★★★