Elwood Dalton é um nome que evoca figuras emblemáticas do cinema: homens moldados por escolhas sombrias e trajetórias que oscilam entre o heroísmo relutante e a brutalidade moral. Protagonista de “Matador de Aluguel”, o mais recente filme de Doug Liman disponível no Prime Video, Dalton representa a essência do anti-herói contemporâneo. Sua história tenta resgatar um arquétipo já saturado nas narrativas hollywoodianas: o homem de passado conturbado que busca redenção em cenários improváveis. No entanto, por mais que a premissa ofereça algum apelo, o filme não consegue ultrapassar certos tropeços narrativos e visuais. Ainda que a fotografia de Henry Braham empreste ao longa momentos de impacto visual, a dependência exagerada de efeitos gerados por computação gráfica compromete a autenticidade das cenas de ação, tornando-as artificiais e previsíveis. O carisma e a habilidade de Jake Gyllenhaal, embora evidentes, não conseguem sustentar sozinho o peso de uma narrativa que aspira a grandeza, mas se perde no caminho.
O roteiro, assinado por Anthony Bagarozzi, R. Lance Hill e Chuck Mondry, revisita o clássico homônimo de Rowdy Herrington lançado em 1989. A obra original já carregava um desafio interessante: desconstruir a imagem de Patrick Swayze, um ator que, à época, era sinônimo de charme romântico graças ao icônico “Dirty Dancing – Ritmo Quente” (1987). Swayze interpretava um protagonista que transitava habilmente entre a delicadeza e a ferocidade, oferecendo um retrato multifacetado de um homem que, apesar de viver à margem da sociedade, ainda lutava contra seus próprios demônios internos.
No entanto, a versão de 2024 de “Matador de Aluguel” tenta replicar essa fórmula com Gyllenhaal, mas com resultados inconsistentes. Seu Elwood Dalton é um homem carregado de contradições: ora resignado diante do peso de um destino que parece inevitável, ora rebelde e determinado a mudar de vida. Essa dualidade, no entanto, carece de profundidade no desenvolvimento, transformando o que poderia ser um personagem memorável em uma figura superficial que se perde em meio ao barulho de cenas de ação mal orquestradas.
Na trama, Dalton é apresentado como um ex-lutador de peso médio do UFC que sobrevive graças a bicos e lutas clandestinas marcadas com adversários ainda mais inusitados que ele. Logo na primeira sequência, ele enfrenta Carter, interpretado por Post Malone, em uma cena que, apesar de prometer, já denuncia os problemas estruturais do filme. A luta parece artificial, um reflexo da dependência excessiva de efeitos digitais que permeia todo o longa. É nesse contexto que fica evidente que Dalton está longe de abandonar os ringues. Contudo, o personagem também parece preso a um ciclo de autossabotagem, incapaz de levar qualquer coisa a sério além de seus próprios socos. Essa estagnação é agravada pelo espaçamento cada vez maior entre suas lutas, revelando não apenas sua fragilidade profissional, mas também uma inquietante ausência de propósito.
O ponto de virada da narrativa ocorre quando Dalton conhece Frankie, dona de um bar decadente chamado “Road House”, localizado na paradisíaca, mas igualmente perigosa, região de Florida Keys. O bar, que empresta seu nome ao título original do filme, é constantemente alvo de extorsionários que aterrorizam a já reduzida clientela com suas motocicletas barulhentas e atitudes ameaçadoras. Frankie, interpretada com vigor por Jessica Williams, está desesperada por ajuda, e Dalton, por sua vez, precisa de um motivo para continuar lutando, mesmo que seja apenas uma desculpa para adiar a reflexão sobre sua vida desmoronando. A relação entre os dois, no entanto, não é construída com a profundidade necessária para gerar empatia ou mesmo tensão dramática. Dalton é contratado, obviamente, não por suas boas intenções, mas por sua habilidade em lidar com figuras perigosas. A partir daí, a narrativa tenta elaborar a transformação do protagonista, de um “bandido romântico” para um assassino frio, cuja fama rapidamente se espalha por toda a costa sul dos Estados Unidos.
Embora a trama traga momentos de potencial, a execução deixa a desejar. Liman parece mais preocupado em chocar do que em explorar os conflitos internos do protagonista ou mesmo as dinâmicas entre os personagens secundários. Jessica Williams entrega uma atuação competente, proporcionando alívios cômicos em algumas cenas ao lado de Gyllenhaal. Já Daniela Melchior, como Ellie, uma médica responsável por salvar Dalton em circunstâncias bizarras, oferece nuances que poderiam enriquecer a narrativa, mas que acabam subaproveitadas. Ellie simboliza uma tentativa de introduzir ao enredo reflexões sobre a incapacidade de homens como Dalton de estabelecer relações humanas genuínas ou viver um amor autêntico. Contudo, essa camada emocional, que poderia adicionar profundidade à trama, é eclipsada por diálogos fracos e um excesso de violência estilizada que pouco contribui para o desenvolvimento dos personagens.
Por fim, “Matador de Aluguel” tenta se posicionar como um thriller de ação com nuances dramáticas, mas falha em alcançar o equilíbrio necessário para isso. O filme se esforça para revisitar temas como redenção, identidade e moralidade, mas acaba refém de sua própria pretensão de ser maior do que é. O resultado é um longa que entretém apenas em momentos isolados, sem jamais atingir o impacto emocional ou intelectual que claramente almeja. Apesar do apelo visual de algumas cenas e do talento do elenco, o filme se dissolve em meio a clichês e escolhas criativas que carecem de ousadia, deixando o espectador com a sensação de que algo crucial ficou pelo caminho.
★★★★★★★★★★