O cinema francês tem ficado cada vez mais dinâmico — para o bem e para o mal. No que respeita aos filmes de ação, especificamente, eles tornam-se cada vez mais populares, e se forem sobre criminosos jovens às voltas com questões familiares intrincadas então, caem de vez no gosto do público. Jérémie Guez captou a mensagem e “Tigres e Hienas” alonga-se por 109 minutos pelos gozos breves e as agonias de um traficante de drogas que descobre que o sogro, um dos mais hábeis assaltantes de bancos da França, fora preso com sua quadrilha. A partir desse ponto, Guez e o corroteirista Louis Lagayette levam a história por dédalos mais e mais estreitos, no jogo de gato e rato de que participa também o espectador, que não tarda a impressionar-se com tal riqueza de detalhes, num gigantesco mosaico onde nada falta ou sobra.
Serge Lamy, o sogro de Malik, e levado à julgamento e Iris, advogada de um dos membros do bando, propõe um acordo a Malik. Ele deve aceitar tomar parte num assalto no lugar do preso e dessa forma comprar sua liberdade. Existe uma questão anterior entre Malik e Serge, o personagem de Vincent Perez, que Guez e Lagayette elaboram com rigor, deixando margem para um possível retrocesso, manobra que não deixa de relacionar-se ao título, uma menção um tanto óbvia a Arthur Schopenhauer (1788-1860). Em matéria de selvageria, nós seres humanos superamos os tigres e as hienas, e eventos inesperados, repentinos, trágicos, tudo quanto pode haver de surpreendentemente melancólico e acerbo no fado de uma pessoa se anuncia com toda a delicadeza, como um cancro no organismo até então saudável, ou cai do azul de chofre, derrubando qualquer um que lhe tente deter.
Schopenhauer defendia que a vida era somente uma vontade de vida, isto é, existimos sob a forma de mera sondagem de nossos próprios desejos, em especial dos mais vagos, desconhecidos, lúgubres, monstruosos. Para o filósofo, autor de “O Mundo como Vontade e Representação” (1818), o homem não sabe dar azo às suas vontades, e não vai aqui nenhuma possível teoria de Schopenhauer acerca dos malefícios da autorrepressão. Malik, o anti-herói interpretado por Waël Sersoub, decerto nunca havia tido contato com a obra do alemão; entretanto sempre soube que suas ações sempre fruto do que pode, não do que deseja. Evidentemente, o diretor precisa dispor do repertório de quem assiste para que seu trabalho seja plenamente assimilado, mas aqueles que faltaram as aulas de filosofia entendem que o passado não costuma deixar em paz os reincidentes.
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