A vida tem ritmo. O mundo é uma imensa pista de dança, onde milhares de sensações novas florescem todos os dias, todas em algum grau feitas da urgência de colocar-se o que não serve mais para fora, seguindo a cadência da música. O homem despende muito tempo esmerando-se por escapar à banalidade, uma batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis. Pensamos, uns mais, outros menos, mas todos, sem exceção, sobre se é possível voltarmos ao que fomos, se podemos ter outra vez os desejos que eram nossa própria essência.
Perdemos horas de sono, que costumam se estender para o expediente de trabalho, elucubrando, tecendo digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto, e enquanto isso o baile avança e o salão vai se enchendo. Em “Uma Valsa de Natal em Paris”, ninguém parece ter inquietude outra que não seja aproveitar a festa até o último instante, ainda que a mais humana das emoções não se mostre uma anfitriã sensata muitas vezes. A comédia romântica de Michael Damian mistura a leveza poética da valsa à paisagem sempre faustosa de Paris, e chega a uma versão refrescante do Natal, sem tanta lágrima e cheia de balanço.
A aura família de “Uma Valsa de Natal em Paris” não é por acaso. O diretor e a roteirista Janeen Damian, sua esposa, cercam dois protagonistas e a vida que só mesmo eles conhecem. Emma é um prodígio da contabilidade à beira de uma crise existencial que contorna a tempo. Ela é a melhor funcionária do escritório, mas pede demissão em favor do colega, casado e pai de filhos pequenos, e então sua jornada está literalmente a um passo de se transformar. Graças a uma dessas manobras do destino próprias do Natal, ela conhece Leo, um dançarino que já brilhou nos palcos da Broadway, mas que tem amargado dias de ostracismo, embora isso não signifique que tenha perdido a majestade, como se vai ver. Damian conduz seu filme com tamanha organicidade que ninguém ousa lançar desconfianças sobre o encontro dos dois, e a magia acontece enfim.
Leo precisa de uma nova parceira depois de Giselle, a bailarina encarnada por Jade Ewen, ter colocado um ponto final na relação, mesmo que os dois ainda continuem a se esbarrar. O campeonato de que Leo e Emma participam, na Cidade Luz, supervisionados por Henry Fontaine, o veterano coreógrafo vivido por Paul Freeman, confirma a máxima sobre artistas poderem ser o que bem desejarem enquanto imersos na força da transfiguração que define seu ofício. O octogenário Freeman torna-se um menino, Matthew Morrison volta à pele do professor Will Schuester, mundialmente conhecido pela série “Glee: Em Busca da Fama”, exibida pela Fox entre 2009 e 2015, e o sorriso de derreter geleiras na lua de Jen Lilley brilha mais que o sol. Quem não se animaria diante de tantas provas genuínas de puro encantamento?
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