Passadas três décadas desde sua estreia, “O Último dos Moicanos” permanece uma obra cinematográfica de relevância surpreendente, ao mesmo tempo instigante, controversa e, por vezes, perturbadora. Dirigido por Michael Mann, o filme retoma elementos da adaptação de 1936 de George B. Seitz (1888–1944), trazendo à tela uma visão antropológica que se aproxima, com notável autenticidade, da realidade brutal dos primórdios da colonização europeia na América do Norte. Essa abordagem contrasta com o olhar metódico e quase clínico de Bruce Beresford em “Hábito Negro” (1991), que explorou de forma similar os eventos no contexto canadense.
Mann articula, em sua narrativa épica, um retrato dos Estados Unidos antes de sua consolidação como a potência que viria a ser após 1890. O longa reflete sobre os desafios históricos que precederam essa ascensão, situando-se no contexto da Guerra Civil (1861–1865), quando profundas divisões étnicas e ideológicas confrontaram o país. De um lado, o sul defendia ferozmente a escravização de africanos, enquanto o norte, moralmente fatigado, ansiava pela emancipação econômica e social. No entanto, o destino dos povos originários da América permanece como uma das mais dolorosas lacunas da história. Estima-se que, dos dezoito milhões de indígenas que habitavam a região norte do continente, apenas um sexto tenha sobrevivido ao impacto devastador da colonização — um genocídio silencioso em uma sociedade que historicamente rejeitou a miscigenação.
A trama de “O Último dos Moicanos” é ambientada em 1757, durante o terceiro ano da sangrenta disputa entre Inglaterra e França pelo controle das colônias norte-americanas. Nesse cenário, três homens, os últimos remanescentes de uma nação indígena à beira do extermínio, habitam a fronteira oeste do rio Hudson. Recusando alianças com qualquer um dos lados, eles lutam por sua independência, enfrentando a fúria dos colonizadores europeus que enxergavam sua bravura como um desafio intolerável.
A direção de Mann se destaca pela grandiosidade de suas paisagens. Com planos panorâmicos que capturam a vastidão das colinas do nordeste dos Estados Unidos, o diretor nos conduz por florestas densas onde se desenrola uma perseguição — uma introdução visceral que captura a tensão do filme. O roteiro, coescrito por Mann, Christopher Crowe e Philip Dunne, baseia-se em detalhes cuidadosamente adaptados do romance homônimo de James Fenimore Cooper (1826), complementado por elementos da adaptação teatral de John L. Balderston (1889–1954). Gradualmente, a figura de Hawkeye, interpretada magistralmente por Daniel Day-Lewis, emerge como o protagonista central. Seu romance com Cora Munro, vivida pela talentosa Madeleine Stowe, combina inocência e paixão, reforçando a força dramática da narrativa.
Embora Mann tome amplas liberdades poéticas ao adaptar a obra de Cooper, essas mudanças não apenas revitalizam a história como também a elevam a um patamar mais dinâmico e emotivo. A relação entre Hawkeye e Cora, embora talvez exagerada, serve como o coração pulsante da trama. A química entre Day-Lewis e Stowe, um dos pares mais emblemáticos da história de Hollywood, confere profundidade e credibilidade a um enredo carregado de melancolia e incerteza. O destino dos personagens principais, envolto em mistério, apenas reforça a sensação de desamparo e fragilidade diante de forças históricas implacáveis.
Em resumo, “O Último dos Moicanos” transcende sua época, permanecendo como uma poderosa meditação sobre amor, sacrifício e a brutalidade do colonialismo. É uma obra que provoca, inspira e desafia, lembrando-nos das complexidades históricas que moldaram o mundo como o conhecemos.
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