158 diretores escolheram o melhor filme da história da Netflix. Você já assistiu? Divulgação / Netflix

158 diretores escolheram o melhor filme da história da Netflix. Você já assistiu?

Baseado no livro “I Heard You Paint Houses” (2004), escrito por Charles Brandt (1942-2024), um investigador com vasta experiência no crime organizado nos Estados Unidos, “O Irlandês” mergulha profundamente na trajetória de Francis Joseph Sheeran (1920-2003), uma figura de destaque na máfia americana entre as décadas de 1960 e 1970. O enredo desvenda o envolvimento de Sheeran no desaparecimento do influente líder sindical Jimmy Hoffa (1913-1982), um caso que permanece envolto em mistério. Martin Scorsese, conhecido por sua habilidade ímpar de retratar o universo do crime, conduz a narrativa com maestria, explorando desde os primórdios de Sheeran no submundo até sua ascensão ao lado de Russell Bufalino (1903-1994), um dos mafiosos mais poderosos da Pensilvânia. A expressão “pintor de casas”, título do livro de Brandt, simboliza as manchas de sangue deixadas por Sheeran em suas execuções, traduzindo o tom sombrio e brutal da história.

Assim como em clássicos como “Os Bons Companheiros” (1990) e “Cassino” (1995), Scorsese manipula o tempo narrativo com uma fluidez que impressiona, alternando entre momentos de compressão e expansão para intensificar a verossimilhança e a densidade do enredo. Essa habilidade é amplificada pela parceria com Thelma Schoonmaker, sua colaboradora de longa data desde “Touro Indomável” (1980), que utiliza sobreposições e cortes engenhosos para construir uma narrativa visual única. O roteiro assinado por Steven Zaillian, igualmente meticuloso, alia-se à fotografia de Rodrigo Prieto para compor uma obra grandiosa que, mesmo indicada ao Oscar em categorias de peso como Melhor Filme, Direção e Montagem, foi injustamente ignorada pela Academia. Essa exclusão, um dos episódios mais discutíveis da história recente do Oscar, só intensifica o impacto e a relevância do filme.

Mais do que uma narrativa criminal, “O Irlandês” apresenta uma profunda reflexão sobre a decadência da velha guarda do crime americano. Scorsese orquestra um tributo às figuras que marcaram sua carreira e à própria indústria cinematográfica, utilizando a figura de Sheeran como um veículo para explorar arrependimentos, traições e a inexorável passagem do tempo. A narrativa inicia e encerra em um asilo, com Sheeran já idoso, em uma cadeira de rodas, confessando a um padre os pecados acumulados ao longo de uma vida mergulhada em violência. Ao espectador, no entanto, é oferecida uma visão ambígua: uma mistura de repulsa pela brutalidade do personagem e uma reflexão sombria sobre as escolhas que o levaram até ali.

Ao longo do filme, a relação de Sheeran com Bufalino e Hoffa revela-se central, marcada por um misto de lealdade e tensão. Essa dinâmica é brilhantemente encarnada por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, três lendas vivas que dão vida a personagens multifacetados, transitando entre diferentes épocas com o auxílio de recursos como maquiagem, apliques de cabelo e rejuvenescimento digital. A atuação do trio, especialmente nos momentos finais, é visceral, garantindo uma imersão total do público na trama. Contudo, os jurados do Oscar, talvez ainda reticentes quanto à abrangência da máfia como metáfora cultural, optaram por ignorar o mérito inegável da obra.

No fim, “O Irlandês” transcende a mera história de gângsteres para se firmar como um épico existencial sobre poder, culpa e a inevitável solidão que acompanha aqueles que sacrificam tudo pelo controle. É um testemunho da genialidade de Scorsese e de sua capacidade de transformar histórias particulares em reflexões universais, uma obra que ecoará por gerações, independentemente do reconhecimento formal.

Filme: O Irlandês
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 2019
Gênero: Crime/Drama
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★