O amor, em sua essência, desafia quaisquer tentativas de definição. Por mais que o racional tente moldá-lo em conceitos fixos, ele escapa, reinventa-se e desmancha certezas. Na literatura, uma das representações mais icônicas desse sentimento avassalador é “Anna Kariênina”, de Liev Tolstói (1828-1910). A narrativa, que atravessou gerações, foi adaptada para o cinema em cinco ocasiões entre 1935 e 2012. É a crônica de uma paixão escandalosa entre Anna, esposa do influente Alieksiéi Kariênin, e o Conde Vronsky, um oficial que sacudiu as convenções da aristocracia russa.
O destino de Anna é marcado por tragédias: negada a possibilidade de divórcio, impedida de ver seu filho, ela vive um amor que sucumbe sob o peso da sociedade e, em última análise, de sua própria vulnerabilidade. Essa história simboliza a natureza trágica do amor, cuja nobreza frequentemente colide com os instintos mais primitivos. Afinal, o amor raramente se conforma em ser um simples encontro de almas. Ele é como dois rios paralelos que, em um raro momento de sorte, se encontram e fluem juntos em direção à eternidade — ainda que, na maioria das vezes, esse destino idealizado permaneça inalcançável.
Vinicius de Moraes capturou com maestria essa dualidade em seu célebre “Soneto de Fidelidade” (1946), no qual afirma que o amor, sendo chama, não é imortal, mas pode ser infinito enquanto durar. Sua simplicidade poética ecoa as palavras do também brilhante Fernando Pessoa, que descreve o amor como “ridículo”, uma confissão crua e, ao mesmo tempo, profundamente humana. Essa visão aparentemente contraditória encontra ressonância em diversas culturas e manifestações artísticas. Na cinematografia asiática, por exemplo, a complexidade do amor é explorada de forma singular. Combinando minimalismo narrativo e emoção visceral, diretores como Wong Kar-Wai e Akira Kurosawa (1910-1998) conquistaram um espaço inestimável na indústria global, transcendendo preconceitos e barreiras culturais. Suas obras demonstram como histórias aparentemente simples podem revelar a profundidade da condição humana, alcançando um equilíbrio raro entre sensibilidade e intensidade.
Esse mesmo olhar sensível permeia “Pérolas no Mar” (2018), dirigido por René Liu, cuja carreira como atriz e cantora deu lugar a uma nova expressão artística, marcada por uma direção rica em nuances. O filme narra a trajetória de Jian-qing e Xiao-xiao, que se conhecem durante uma viagem de trem para celebrar o Ano Novo em suas cidades natais na China. A princípio, dois desconhecidos, eles descobrem afinidades inesperadas e se apaixonam, dando início a uma relação que atravessa uma década. No entanto, o tempo revela suas diferenças e impõe obstáculos insuperáveis.
A narrativa culmina em um reencontro tenso em um aeroporto, onde tentam entender por que um amor tão forte foi incapaz de resistir às pressões da realidade. Essa exploração honesta dos limites do amor reflete a visão de Nelson Rodrigues, que, com seu característico cinismo, afirmou que o amor não sobrevive sem um contexto que o legitime. Segundo ele, as borboletas amam umas às outras sem sequer terem consciência de si mesmas — uma metáfora mordaz sobre como o amor, por mais idealizado, precisa ser sustentado pela realidade.
Os personagens de “Pérolas no Mar” exemplificam essa tensão entre idealismo e pragmatismo. Jian-qing, um programador que aspira a transformar sua vida por meio de um projeto ambicioso, cria um jogo em que o protagonista, mergulhado em um mundo monocromático, busca incessantemente sua amada. Xiao-xiao, por outro lado, representa a busca por segurança material e emocional, conformando-se com um parceiro que possa proporcionar estabilidade, mesmo que isso signifique abrir mão de sonhos mais românticos. A relação deles expõe um conflito universal: o amor não é suficiente quando questões práticas, como sobrevivência e conforto, entram em cena. Liu evita clichês ao tratar essas realidades com sensibilidade, mostrando que Xiao-xiao, ao recusar ilusões e optar por um caminho mais pragmático, não é menos autêntica ou menos feminista.
O desfecho, que poderia facilmente resvalar no melodrama, é tratado com sutileza. Quando Xiao-xiao decide deixar Jian-qing, ela o faz com um gesto que resume a complexidade de seu vínculo: um prato de macarrão instantâneo deixado para trás, como um último ato de cuidado. Essa partida, simbolicamente ambientada em um metrô, evoca uma metáfora clássica do cinema — a separação definitiva representada por trilhos que se afastam. Filmes como “Os Girassóis da Rússia” (1970), de Vittorio De Sica, exploraram essa imagem de forma magistral, imortalizando momentos de perda e resignação.
Ao final, “Pérolas no Mar” não se limita a contar uma história de amor fracassada; é uma reflexão sobre a impermanência e os sacrifícios que o amor exige. Como na vida, algumas pérolas são destinadas a permanecer no fundo do oceano, longe do alcance, lembrando-nos de que nem tudo que desejamos pode ser conquistado — e, talvez, essa seja a lição mais difícil, mas também a mais essencial.
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